Review — Nichijou

Sem sombra de dúvidas uma das melhores comédias non-sense dentre animações orientais

Atenção! Review relativamente longa, recomendo preparar uma xícara de café, chá ou refrigerante. Obrigado pela visita e boa leitura.

Review

É fácil definir Nichijou, seu conceito é bem simples: paródia do dia-a-dia. Ele abrange diversas áreas pairando sobre moe, comédia non-sense e momentos de afeição, mas seu foco fica na vida estudantil, principalmente de três garotas: Aioi Yuuko, Minakami Mai e Naganohara Mio. É um anime bem fácil de entender, porém praticamente impossível de prever. Como é um projeto bem completo que fora dividido em dois arcos principais e diversos quadros, fica mais fácil de dissertar sobre ele viajando entre os tópicos que você verá a seguir.

Personagens Principais


Falar do trio Mai-Yukko-Mio é falar sobre a principal fonte de comédia de Nichijou. Com suas piadas terrivelmente executadas, azar que desafia a Lei de Murphy e situações de vergonha alheia ilimitada elas trazem luz àqueles simples acontecimentos da vida, só que aumentados de uma forma absurda, assim criando o clima perfeito para fazer você rir, cumprindo com seu objetivo.

A dupla principal está na área!
Algo importante para citar é que o foco se mantém na Yukko e na Mio, já que são melhores amigas, a “história principal” se faz envolta delas, deixando a Mai mais como uma principal secundária, tipo aquele rival que aparece nas horas mais propícias. Enquanto essas duas compartilham do mesmo estilo de comédia (exceto pelo fato de que a Mio é uma garota comum e a Yukko é uma idiota no sentido carinhoso da palavra), a Mai chega como aquela pessoa serena que faz os trocadilhos mais randômicos possíveis ou abusa da boa vontade dos amigos em qualquer oportunidade que possa surgir.

Uma das Musas dos Trolls do universo 2D.
Durante todo o primeiro arco suas vivências vão decorrendo e quando você menos espera já está cativado esperando mais das idiotices da Yukko, desesperos da Mio ou sequências de trocadilhos sem sentido da Mai. E no meio de tudo isso você vai sendo apresentado a outros grupos e personagens, como a segunda parte da gama principal.

Agora é a vez de vocês, podem se alegrar!
Seguindo para o núcleo que usa e abusa da especialidade da Kyoto Animation temos a Hakase e a Shinonome Nano, respectivamente. Hakase é uma inventora de oito anos de idade que impressiona com sua fala desajeitada e infantilidade comum, apelando facilmente para aqueles instintos maternais (ou paternais) e se mantendo como o centro do moede Nichijou. Hakase também é a criadora da Nano, uma espécie de andróide que tem o sonho de ser uma garota comum, porém sofre nas mãos da pequena Hakase e suas manias de customizá-la da maneira que deseja, sendo sua principal parte a chave que fica em suas costas, o perfeito antônimo para “garota normal”.

Não precisa dar esse olhar, Senhor Sakamoto, já é a sua deixa.
E fechando com chave de ouro o prato principal temos o gato de Osaka Sakamoto, ganhando a capacidade de falar a língua humana graças ao lenço projetado em menos de 5 minutos pela Hakase. Como qualquer gato, é orgulhoso e se põe como o adulto do trio em seus vinte anos de idade felina, tornando-se o lado sério dessa família, contudo, como todo bom gato, fica fazendo fofurices enquanto ninguém está olhando, criando um dos melhores gatos falantes que já vi. Enquanto habita o lar Shinonome, sofre nas mãos da Hakase, formando diversas situações cômicas com um tom mais dócil comparadas às três estudantes anteriores.

Aprendi com Nichijou a beleza dos tubarões.
Trocando um pouco para a curta seção séria de Nichijou, durante o segundo trecho do episódio 13 ocorre um curto desenvolvimento de enredo, conectando as duas partes desse quadro, onde a turma da Yukko e a família Shinonome começam a interagir umas com as outras, criando novas oportunidades de humor entusiasta e amiabilidade entre as personagens, o que acaba sendo muito bom para continuar evitando a saturação de suas séries de exageros.

E assim se forma uma amizade sem fronteiras.
Com este combo que mantém a Yukko como principal fonte de humor e a Hakase como sua afável oferta de calor humano nós temos o primeiro quadro: ‘Dia-a-Dia’. Nestes trechos você encontrará o que o próprio nome sugere: um Slice of Life de garotas fofas fazendo fofuras como qualquer outro, adicionando apenas ligeiras mudanças que o transforma numa épica comédia.

“I am the key of my friction”
Curiosidade: O termo “Hakase” (que pode ser traduzido como “Doutor”) é utilizado como título para pessoas com Doutorados Acadêmicos. Nos 26 episódios de todo o anime não há sequer uma dica do nome real da Hakase além de seu sobrenome, o qual é mostrado sendo o mesmo do Diretor da escola, abrindo a ideia de que o mesmo é avô da Hakase.


Coadjuvantes

Preste atenção aqui agora!
Nichijou contém diversos quadros, seus coadjuvantes são exemplares perfeições do próprio título já que só tem vantagens inclusas em suas participações. Primeiramente traz refrescância com a variedade de estilos de expressão que transpiram, então se brinca com esteriótipos visuais e de personalidade, alcançando níveis sátiros gigantescos.

Próxima DLC confirmada, Daigo que se prepare.
Dentre os personagens secundários temos um punk educado, um professor com uma paixonite em pânico, uma química com déficit de atenção, um diretor com problemas de ansiedade, uma traquina universitária prodígio, um corvo da alta sociedade, um bom conjunto de entidades extraordinárias vivenciando momentos comuns do dia-a-dia terráqueo e muitos, mas muitos outros transeúntes que viajam e entretém as pessoas nessa cidade. E mediante este batalhão, destacam-se Sasahara Koujirou e Tachibana Misato.

Qual a ocorrência, Tachibana Misato?
Comumente denominado Sasahara-senpai, é um filho de fazendeiros que em contrapartida ao esteriótipo de sua humilde origem mantém uma personalidade culta, sensível e nobre, apesar de se locomover até a escola em sua cabra pura-raça. E como a cereja do bolo (ou o Cavalo do Shortcake) ele é extremamente apático sobre o senso comum e sentimentos de garotas por ele, criando uma contradição genial que traz um ar de graça inteligente com a união de Tachibana Misato em seus quadros.

Se você acha que já viu todo tipo de garota bidimensional…
Tachibana Misato, sozinha, é apenas mais um esteriótipo; unida ao enredo de Nichijou é uma arma poderosa, isto é, um arsenal completo. A personagem se dá por uma paródia do esteriótipo “tsundere” muito visto no mundo dos animes, com uma leve modificação na expressão de suas emoções frenéticas de uma forma, digamos, explosiva. Essa característica pode ser interpretada como analogia para a forma em que tsunderes se comunicam com suas paixões, que é atirando ofensas, desdenho e tudo o que é contrário ao que querem realmente dizer.


Ao brincar com figura de linguagem nos quadros da Misato se traz a melhor parte dos coadjuvantes da obra, mas isso vem de um ponto de vista; dependendo do humor que o telespectador adota como predileto isso muda facilmente, já que o rendimento de todos os personagens é muito bom, como particularmente sou muito mais ligado à Prof. Nakamura que tem uma entonação maravilhosa na dublagem e suas teorias conspiratórias me faziam rolar de rir.

Aspectos Técnicos

Arte

É impressionante o trabalho da Kyoto Animation na fabricação das cenas de Nichijou. Como se trata de uma comédia e o traço original de Arawi Keiichi é simplório (dando graça a suas piadas usando isso), não se poderia ter designs detalhados ou colorações com um caprichado senso de profundidade, então para onde podem converter toda essa capacidade artística do estúdio além de cores vívidas e um traço bem delineado? Simples: taxa de quadros.

Assim deve ter sido o emocionante dia-a-dia dos animadores.
O empenho aplicado nesse artifício é excelente pois a impressão que deixa é de um aumento absurdo da dramaturgia. Essa simples adição faz toda diferença quando você compara com diversos animes, onde o contraste se mostra claro: sua qualidade é muito mais estável que outros, como em shonens que só têm uma taxa de quadros entre boa e ótima nas cenas de luta – isso quando existe essa sorte e fica por aí mesmo (para não deixar um comentário unilateral, boas exceções desta regra são Tetsuwan Birdy:DECODE e Top wo Nerae! 2 – Diebuster, ambos animes cerca de 5 anos mais novos que Nichijou).

Direção

A ordenação de uma cena pode fazer toda a diferença nas mensagens e emoções passadas, isso é ainda mais sensível para comédia, pelo fato de que muitas piadas dependem de timingpara trazer sua graça à tona e o mínimo erro pode acabar com toda a esquete. Aparentemente todo o cuidado foi tomado para que isso não ocorresse e o aproveitamento é de no mínimo 80% de toda a exibição.

O que toma maior importância são os pequenos intervalos e trocas entre as cenas e suas continuações, ou seja, esses “espaços” podem parecer desperdício em primeiro plano mas na realidade são curtas paradas (utilizando cenários do dia-a-dia que dão mais sentido à obra) para você relaxar antes das angústias e loucuras que vêm a seguir, trazendo um manuseio visual excepcional ao mundo de Nichijou: você pode assistí-lo em apenas 12 horas (considerando que os 26 episódios em fila duram aproximadamente 11 horas) que dificilmente ficará enjoado de seu humor.

Transições nunca foram tão importantes para manter um bom ritmo.
E não menos importante, o maior gerador de prejuízo financeiro sobre fãs obcecados e traumas a telespectadores dessa vez veio na medida certa: Moe. Em Nichijou, como antes mencionado, o suprassumo da fofura está na Hakase, mas também é aplicado no resto da gama de personagens para gerar uma aproximação dentro de seus círculos de amizade e expor lentamente o lado mais comum de cada integrante dessa cidade.

“Primeiro vem pedra, papel é o próximo, você não pode usar todos eles, Jan-ken-po!”
Curiosidade: Existe uma teoria bem conhecida sobre a qualidade dos trabalhos da Kyoto Animation, onde oscilam frequentemente entre algo bom e algo ruim quando fabricam animes e até que faz sentido (verifique a ordem de lançamento de suas obras aqui), já que conseguiram criar algo tão belo como Kyoukai no Kanata (mesmo com o inadmissível episódio de puro fanservice) ao mesmo tempo que trouxeram vida a K-ON! ou Tamako Market que são apenas amontoados de diabetes junto ao vácuo como roteiro (gostos pessoais à parte).


Roteiro

O material base já é muito bom, o mangá de Arawi Keiichi é um dos mangás de comédia mais famosos até hoje, então adaptá-lo para animação precisaria trazer a qualidade mantendo o seu tempo para a quebra do humor, o qual no mangá é feito pelo próprio leitor. Sem criar modismos ou alterar as histórias originais, utilizando apenas novas falas se preserva todo o conteúdo com extras que acabam aprimorando a maioria dos quadros como as esquetes do dirigível, aumentando a magia da franquia de uma forma avassaladora. Juntamente à direção, conseguiu tornar Nichijouem uma obra prima da comédia com suas técnicas altamente efetivas para a criação do script.

Sonoplastia

Se o roteiro cria a cena, a direção a organiza, então a sonoplastia manuseia todo o clima. A trilha sonora criada para esse anime tem sinergia perfeita com seu estilo humorístico; utilizar como base sons nostálgicos de cartoons foi uma jogada de mestre para a ambientação de todos os lados de Nichijou já que ele não utiliza em nenhum momento alguma forma de humor adulto, como por exemplo humor negro.
Outro aspecto que só traz melhora é sua dublagem que é extremamente exagerada, precisa e limpa, isto é, os dubladores interpretaram perfeitamente todos os personagens, tornando as cenas muito mais engraçadas, fazendo suas personalidades serem facilmente distintas e não utilizando nenhum tipo de jargão como terminar toda frase com a mesma sílaba (se você assistiu algo parecido com Kanojo ga Flag wo Orareta!ficará bem fácil de entender este ponto) faz com que não fique maçante prestar atenção em suas vozes.

Cada um com seu príncipe né.
Agora o clímax de todo o audio são as Aberturas e Encerramentos. As duas Aberturas foram compostas e executadas pelo cômico “Hyadain”, sendo a primeira chamada Hyadain no Kakakata☆Kataomoi-C e sua letra conta a história – de uma forma bem divertida – entre um garoto apaixonado e dessa tal garota que não conhece o que é amor, tanto que ambos não conseguem reconhecer que é um sentimento mútuo, assim sua melodia vai acompanhando o mesmo esquema, usando tons alegres. Seguindo esse clima, o primeiro Encerramento Zzzde “Sayaka Sasaki” continua batendo nessa tecla, usando curtas declarações de afeto entre amizade e a recente descoberta do que é ‘amor’ e finaliza os episódios de uma forma calma, com três versões (eletrônica, bossa nova e acapella) de uma melodia que mais parece uma canção de ninar.

Como sonho de criança, encerra-se Nichijou.
Seguindo para a próxima parte, o segundo arco composto pelos episódios 14 até o 26. A Abertura é Hyadain no Joujou Yuujou e conta sobre amizade em geral de uma forma cômica, abrindo a estréia da Nano no círculo de amizade das personagens principais: Mio, Yukko e Mai. Agora o segundo Encerramento, ou melhor, Encerramentos, assim como em Lucky Star, são canções japonesas famosas, temas clássicos da NHK e músicas que se tornaram cantigas escolares reproduzidas na versão da equipe de todo o projeto e logo de cara já se tem uma referência da pesada: Tsubasa wo Kudasaide “Akai Tori” na voz de “Sayaka Sasaki”, tema utilizado em Neon Genesis Evangelion que dentro do mesmo faz alusão ao que está acontecendo de verdade, entretanto sua letra para Nichijou cai como uma pluma (levando em consideração o que ocorre em volta da Nano em tal momento), assim como as outras diversas músicas utilizadas nos episódios seguintes (quantas referências você pegará? Achei as de Evangelion e Azumanga Daioh). Como um extra nestes Encerramentos, sua animação lembra “Onde está o Wally?”, no qual você vai procurando todos os habitantes da cidade enquanto escuta melodias nipônicas tradicionais.

Onde está o Nakanojo-kun?
Curiosidade: Nas canções do Hyadain, os trechos femininos são feitos por ele mesmo – acredite se quiser, porém por prováveis questões morais ou por brincadeira ele convida Natsuko Aso, cantora conhecida de temas de anime como aberturas da série Baka to Test to Shoukanjuu para interpretar a ‘Hyadaruko’, o lado feminino de suas canções em seus videoclipes. Caso esteja interessado só procurá-los no YouTube, são bem legais.


Conclusão

O mundo dos animes é um mundo composto por absurdos. Pessoas que se tornam deuses via musculação, alienígenas que convenientemente têm a mesma composição corpórea que humanas atraentes, jovens artistas que são selecionadas para se tornarem protetoras da humanidade e garotos inúteis que simplesmente ao pilotar supostos robôs gigantes podem mudar o destino do universo. Nichijou não é diferente, mas ele abusa de algo básico: simplicidade.


“Cupom valendo amigos por toda a vida” – Aioi; Shinonome; Minakami
O conjunto inteiro dessa peça não passa de um anime do dia-a-dia de qualquer garota do Ensino Médio japonês, que você encontra uma a cada duzentas ou trezentas, a única diferença é que os fatos de suas vidas são extremamente aumentados como aquela mentirinha inocente de escola que se torna uma desenfreada bola de neve. E mesmo depois de usufruir de toda essa grandiosidade que cria, retorna para suas origens com momentos absolutamente simples da vida de qualquer um que fazem uma diferença enorme em como enxergamos o que nos rodeia.

Nichijou é uma das animações mais bonitas, divertidas e (por incrível que pareça) profundas que tive o prazer de assistir. Ele simplesmente faz você relaxar e abre seus olhos para aqueles fragmentos de sentido que existem naqueles cinco minutos da troca de professores, num batepapo sem objetivo durante uma refeição, numa caminhada sem rumo com seu cachorro ou em um encontro ocasional qualquer. Nichijou certamente alcançará seu senso de humor em algum momento e quando for perceber, terá no mínimo um tímido sorriso em sua face.
O maior ganho vem da lembrança do que é realmente importante.

Arte – 10/10
Direção – 10/10
Roteiro – 09/10
Sonoplastia – 09/10
Entretenimento – 10/10
Nota Final – 10/10

Recomendado para quem gosta de:
  • ‘Azumanga Daioh’, ‘Lucky Star’ e semelhantes
  • Comédia para quase todos os paladares
  • Moe digno da Kyoto Animation
  • Paródias de esteriótipos
  • Infinitas referências
  • Slice of Life