Junketsu no Maria (Review) – Bruxas, religião, guerras, humanismo e preconceito na idade média

Idade média, guerras, bruxas, humanismo, romance, criticas ao uso abusivo da religião para controle do povo, feminismo, e, porque não, diversão, Junketso no Maria (Maria, a bruxa virgem) é um anime curto, mas a quantidade de coisas que ele trabalha é enorme.

Sinopse
No meio da guerra entre a França e a Inglaterra uma bruxa que odeia guerras insiste em intervir, parando todos os conflitos com seus poderes. Incomodado pela intervenção da bruxa na ordem natural do mundo, um anjo desce a terra para impedi-la, ao mesmo tempo que a Igreja tenta negociar com ela. 
Análise
Esse anime me surpreendeu de várias formas. O design dele não é atraente, a sinopse oficial mais afasta o público do que atrai (essa ai de cima eu que fiz)  e o primeiro episódio embora melhor do que o esperado é só “divertido”. Então qual minha surpresa quando logo no segundo episódio o anime já termina em um clímax ambiciono. Apartir dai, “Maria, a bruxa virgem”, não é mais só um anime divertido, mas uma crítica ao uso da fé do povo em um ser divino (religião) como forma de controle das pessoas e uma reflexão ambígua sobre as consequências da intervenção de um ser com poderes sobrenaturais em uma guerra de humanos.

Estruturalmente o anime é simples: Ele apresenta a personagem no episódio 1, centraliza um plot no episódio 2 e depois expande o mundo e os temas a serem trabalhados entre vários personagens. Depois de devidamente desenvolvidos em diálogos e conflitos, chega o climax, que dura cerca de 3 episódios, aonde tudo que foi trabalhado até ali volta e ganha sua resolução, seja em conflitos de personagens ou reflexões. A beleza da obra, portanto, não está na estrutura, extremamente simples, mas em como ela é apresentada e desenvolvida.   
No episódio 2 o anime começa a apresentar um número bem grande de personagens, sendo difícil saber quem é mocinho e quem é bandido no início (se é que essa linha existe), ainda mais porque todos eles estão suscetíveis a mudanças de pensamento. Padres, mercenários, vassalos, soldados, bruxas, camponeses, anjos, acompanhamos de perto o desenvolvimento de pelo menos um personagem de cada ramo, de modo a  tentar mostrar o ponto de vista de todos eles sem tomar o lado de ninguém como certo (você vai tomar no entanto, mas só perto do final). Admito que o ponto de vista dos anjos, que eu achava incorreto a princípio me colocou pra pensar, assim como a visão dos mercenários que eram prejudicas pela intervenção da Maria nas guerras. Depois que o anime explica fica bem obvio, mas nunca tinha pensado naquele ponto de vista até o anime humanizar os mercenários e mostrar que a Maria parar as guerras, embora salvasse os soldados de ambos os lados, prejudicava outras pessoas, e pior, não resolvia o conflito, que só se prolongava por mais tempo.

Maria tem uma crítica forte a religião católica da idade média, sempre focando a câmera no sinal da cruz nos momentos que a igreja comete atos hediondos ou possíveis equívocos em nome de suas regras. Mas não é necessariamente a fê das pessoas em um deus maior que o anime está contestando ou criticando  – até porque no anime esse ser divino prova sua existência e tem até anjos executando sua vontade. A crítica é sim ao uso dessa fê pela igreja como instrumento para controlar as pessoas, de modo a faze-las seguirem regras que nem mesmo os padres entendem o motivo de existirem. Isso é ainda mais reforçado quando o anjo diz que a igreja da terra não necessariamente representa a vontade dos céus (local aonde os seres divinos habitam), as separando em duas entidades independentes. 
Em um dos vários diálogos do anime um que me chamou mais atenção é um no qual Maria contesta as doutrinas da igreja católica que o padre fica recitando pra ela em um monologo. Ela contesta o que ele diz com lógica e alega que o padre nem mesmo entende do que está falando, pois nunca passou pelas experiencias para as quais afirma que a fé é a solução, ou sequer pode comprovar que aquilo é funcional. Ele rebate dizendo não cabe a eles tentar entender ou provar os mandamentos de Deus, apenas obedece-los, ato que faz Maria reduzi-lo a uma simples marionete guiada por um conjunto de regras que ele não entende. 
Outra crítica interessante é o episódio que foca na memória da Maria na infância sendo apedrejada enquanto tentava salvar um vilarejo de um praga trazendo remédio para os habitantes doentes. A igreja, com seus ensinamentos anti-bruxaria, a impede e apedreja, e quem viu o anime sabe como termina. No anime a igreja afirma que o problema com as bruxas é que os poderes delas não vem de divindade, mas sim de outra fonte (natureza). Eles nem mesmo podem provar isso, mas se elas não são anjos ou uma entidade divina não deveriam ter poderes. Não pode haver um ser terreno com super poderes, pois isso rivaliza com as crenças da igreja de um só Deus. Como resultado, ela nega pessoas dotadas de poderes como hereges e as mistifica como algo ruim. Esses são exemplos de situações interessantes para se refletir do anime, mas tem muito mais (os diálogos com o anjo são particularmente interessantes).

Joseph, o par romântico da protagonista, é um personagem simples, cheio de dúvidas, virtudes e defeitos, mas é difícil não ter respeito por ele (duvido que ele consiga ser o macho alpha da família no entanto). Outra personagem de destaque é Eve (a loira da imagem acima), a qual pensei que seria uma vilã a princípio, quando que na verdade acabou virando o contrário. Ela é quem mais acaba lutando para ajudar a Maria no final, muito provavelmente por se ver nela antes de perder seu idealismo.
Mas lógico, Maria é o destaque, a representação de uma revolucionária em uma época aonde mulheres não tinham voz, com até mesmo os céus tentando para-la porque ela não deve usar seus poderes (voz) para tentar mudar a ordem das coisas naquele mundo (parece uma critica ao machismo na idade média se encarar as bruxas como mulheres independentes e poderosas, mas posso estar só vendo demais). É verdade, no entanto, que os motivos dela para fazer o que faz são fúteis e egoístas, já que ela só está parando guerras porque não quer que aquilo que ela não gosta aconteça. Ela está tentando impor seus ideais aos outros a força, “se ela não gosta de guerras não podem haver guerras”. Por mais que gostemos de ver isso, é algo infantil, que ela acaba tendo que repensar em determinado ponto da história.
Por último, eu gostei de como a história foi finalizada (final fechado), mesmo que a autora claramente fique em cima do muro quanto a muita coisa que abordou – ela te passa as questões, mas não escolhe uma resposta certa. O epilogo mostra pouco, com apenas o básico sendo narrado para o telespectador, ainda que o mais importante esteja lá, Maria achou sua resposta e conseguiu sua felicidade, sem ter que abrir mão de suas crenças ou seu status de mulher independente.
Aspectos Técnicos
A direção de Maria por Goro Taniguchi é firme, e o roteiro redondo (ainda que faltasse desenvolver mais o bando de coisas que levantou) , minha única reclamação é o epilogo ser curto demais e a tentativa de jogar alguns alívios cômicos nos episódios finais do anime – que estavam bem tensos – foi falha e desnecessária. 
A animação de Maria é mediana, com uma consistência variando de mediana a fraca em cortes distantes, tem uns cortes de animação melhorzinhos aqui e ali mas nada muito impressionante. Ela cumpre o estritamente necessário mas nunca se destaca. Parece o diretor tentando fazer milagre com um orçamento bem abaixo da média. O maior mérito acaba sendo o baixo uso de CGs, com praticamente todas as guerras sendo feitas em 2D – algo raro hoje em dia, ainda mais em produções de baixo orçamento.
A trilha sonora faz um trabalho mediano também, não é ruim mas não chega a ser marcante.
Conclusão
Maria é um anime diferente e difícil de centralizar em um tema, mas pra quem se interessa por uma fantasia medieval com romance, comédia, críticas a religião e uma protagonista feminina forte, esse anime não deve decepcionar. Ele trata bem seus temas, e mesmo que não seja cheio de ação consegue manter a trama em movimento em todos os episódios. Uma grata surpresa de um anime do qual eu não esperava muito.

Vale notar que achei o anime melhor que o mangá, não só por ter uma arte bem mais refinada, mas na estruturação da história também.

Direção: 9/10
Roteiro: 9/10
Animação: 7/10
SoundTrack: 7/10
Entretenimento: 8/10
Nota final: 8.5/10
Extra – Fusão de todas as imagens no final de cada episódio:

Trailer do anime: