Um estudo de caso: Akashi Seijuro (Kuroko no Basuke)

Introdução


-Kuroko no Basket (黒子のバスケ, Kuroko no Basuke?), também conhecida como Kuroko’s Basketball, é uma série de mangá e anime escrita e ilustrada por Tadatoshi Fujimaki, e tem sido publicado pela Weekly Shõnen Jump desde dezembro de 2008. A série conta a história de Kuroko, ex-sexto membro da chamada “geração dos milagres” do colégio Teiko, que se destacou como o melhor dos clubes de basquete escolares do ensino fundamental. Agora, já no ensino médio, Kuroko se transferiu de escola, integrando o time de basquete do colégio Seirin. Junto de seus novos colegas de equipe, ele terá de enfrentar todos os seus ex-colegas do colégio Teiko, que se transferiram para diferentes escolas e são considerados os “áses” de seus respectivos times. (adaptado de Wikipedia)

-O último arco no anime abordou a disputa entre Seirin e Rakuzan, o time do ex-capitão do time de basquete do colégio Teiko, Akashi Seijuro, que é o foco dessa análise.

Infância

Akashi e sua mãe

-Filho de um empresário, Akashi nasceu e foi criado em um ambiente repleto de estímulo e oportunidades. Desde cedo, lhe foi imposta uma rígida disciplina, onde não lhe era permitido um rendimento que estivesse abaixo da perfeição. Todos os dias, era sua obrigação estudar e aprender o máximo de habilidades que pudesse, e seu único lazer era o tempo gasto gasto com sua mãe, a responsável por introduzi-lo ao basquete, que passou a praticar desde antes do fundamental. Após a morte dela, a cobrança por parte de seu pai tornou-se ainda mais incisiva, de modo que ele era forçado a alcançar em nível de maestria em uma habilidade após a outra, tal era a responsabilidade que acompanhava sua condição de herdeiro legítimo. 

Adolescência


Akashi e seu pai jantando

-Seu pai permitiu que participasse do clube de basquete no fundamental, desde que mantivesse o mesmo nível pré-estabelecido nos estudos. O colégio Teiko vinha apresentando uma equipe promissora em seu clube de basquete, e entre os escolhidos para o time principal, estavam Akashi e todos os outros que viriam a ser relembrados posteriormente como a geração dos milagres. Não demorou muito para que seu talento fosse reconhecido pelo capitão do time e pelo técnico, o que lhe garantiu a posição de capitão do time ainda como segundanista.

-Sob sua liderança, Teiko vence todos os outros colégios do fundamental, assim conquistando o primeiro lugar no campeonato. Não tarda, porém, a ocorrer uma fatalidade, e o treinador principal vem a padecer, sendo substituído por um técnico assistente que só cumpria funções administrativas até o momento. Foi nesse contexto que os talentos individuais – que já floresciam desde antes da fatalidade – se desenvolveram e as rivalidades se tornaram mais intensas do que antes. Sem um técnico experiente que pudesse motivá-los de forma adequada, esses jogadores foram deixados à própria sorte.

Aomine em um momento de desespero

-Com um time praticamente perfeito, surge então outro problema: a desmotivação. O primeiro a ser afetado é Aomine, que começa a faltar aos treinos. Murasakibara, que nunca foi muito motivado para início de conversa, sente-se injustiçado pelo fato de não poder faltar também, e discute com Akashi. Decidem, então, resolver essa questão no mano a mano (quem marcar 5 pontos primeiro vence), Com um placar de 4 pontos a zero de seu companheiro, Akashi se desespera e é nessa ocasião que desperta o “olho do imperador” (emperor eye), virando o jogo na última hora.

Akashi e o recém-adquirido olho do imperador

-Contudo, mesmo ganhando, anunciou a todos os jogadores que poderiam faltar aos treinos, desde que jogassem as partidas. A partir daquele dia, sua atitude para com o time mudou completamente. Tornou-se um líder permissivo, exigindo o mínimo necessário dos colegas de equipe, Como já era esperado, o colégio Teiko ganhou o campeonato novamente, e todos os seis da geração dos milagres migraram para colégios diferentes, tendo jurado que iriam se enfrentar algum dia para decidir quem era o mais forte.

Arco atual

O time Rakuzan completo

-Já no ensino médio, Akashi entra para o clube de basquete do colégio Rakuzan e consegue uma vaga de capitão logo em seu primeiro ano. Ele e seu novo time conseguiram chegar à final contra o colégio Seirin de Kuroko, após derrotarem Shutoku, o colégio de Midorima, um dos ex-membros da geração dos milagres. Na partida atual, Akashi acaba por experimentar a derrota pela primeira vez na sua vida, e assim como ocorreu contra Murasakibara, ocorre uma troca de personalidades, dessa vez uma reversão para o seu eu anterior, o que muda completamente o fluxo do jogo.

Análise


-Tudo começa e se explica a partir de um único fato: a morte de sua mãe. Não é preciso de muita deliberação para perceber isso, pois o próprio Akashi admite que foi a partir daquele evento que sua personalidade começou a se fragmentar. Essa divisão foi primariamente resultado de uma tentativa inconsciente de repressão dos próprios sentimentos que (como sempre acontece) só veio a se manifestar muitos anos depois, em um momento específico de tensão. E qual foi esse momento? Isso mesmo, o um a um contra Murasakibara.

O gigante Murasakibara

-Esse desafio representou para Akashi muito mais do que a liderança como capitão; representou a última defesa da sua frágil e fragmentada psique contra a influência da força interna que havia ganhado força durante os últimos 10 anos. O que Murasakibara representou naquele instante não foi um subordinado rebelde, mas sim a figura paterna que, por incompetência, ele não conseguiu superar há 10 anos atrás. É nesse contexto que o complexo de Édipo de Akashi vem a tona. 

Akashi e seu pai

-Vamos nos colocar no lugar dele. Você perde sua mãe em uma idade precoce, e imediatamente após sua morte, a cobrança por parte de seu pai aumenta. Há duas conclusões a que uma criança poderia chegar, dado o nível de fantasia característico da infância: 1) Minha mãe morreu porque eu não me esforcei o suficiente; 2) Meu pai tirou a minha mãe de mim como punição. O complexo de Édipo recebeu esse nome baseado na história da peça de Sófocles “Édipo Rei”, e descreve, de acordo com a teoria freudiana, a teia de desejos inconscientes destrutivos (destrudo) que uma criança teria para com seu pai (no caso de filho homem), em que esta sentiria uma inveja fundamental do mesmo pelo fato de este ter conquistado a afeição de sua mãe em um nível mais profundo. Essa é a história do Édipo, que mata o próprio pai (sem o saber) e em seguida casa-se com sua mãe. 

Akashi despertando o olho do imperador

-Todavia, Akashi não poderia superar seu pai senão do único jeito que foi ensinado: sendo o melhor de todos, o que paradoxalmente vai ao encontro das intenções de seu pai (por mais que você o odeie, nunca se liberta de sua influência). Esse acúmulo de frustração foi o gatilho para que despertasse o “Emperor Eye” e superasse Murasakibara, que até mesmo pela altura, ocupou o papel de pai temporariamente. Outro evento que pode ter contribuído para sua transformação foi a internação do técnico, por remeter à morte de sua mãe e se dar mais ao menos no momento em que o time começava a se separar (e ele começava a perder o controle). A sensação de abandono diante da desintegração do time foi a mesma que sentiu na infância, o que por sua vez ressaltou ainda mais a urgência da troca de personalidades.

Akashi é confrontado por sua personalidade anterior

-Não é uma dupla personalidade clássica no sentido de Jekyll e Hide (o médico e o monstro), em que uma não sabe da existência da outra e cada uma possui consciência própria. Ao invés disso, elas convergem em uma única consciência, apenas trocando de lugar quando em momentos de grande tensão. Por esse motivo, ambas são muito semelhantes, e o ponto de divergência mais marcante é a herança que recai sobre cada uma. A personalidade de olhos heterocromados foi herdada de seu pai, e a personalidade original foi herdada de sua mãe, e por vezes elas podem se intercalar.


-Outra diferença notável entre as duas é uma é marcada pela emoção, e outra pela razão. Voltemos agora ao conflito com Murasakibara. Akashi, logo após vencer, anuncia, para perplexidade de todos, que estão livres para faltar ao treino se quiserem. Em outras palavras, ao mesmo tempo que ele ganha algo – o controle e a superioridade – também perde algo – a fraternidade e a emoção. Abandona, assim, parte de sua responsabilidade como capitão, fugindo da frustração de ter que lidar com as desavenças e tornando-se indulgente. 

Akashi e Kuroko

-Por essa razão, quando Kuroko pergunta a ele se gosta de jogar basquete, ele não compreende o sentido da pergunta, pois reprimiu esse mecanismo da diversão que foi construído a partir das experiências lúdicas com sua mãe, e o sobrepôs com o mecanismo de máxima eficiência construído pela pressão de seu pai. O amor pelo basquete e o vínculo que une um time em torno de um objetivo se perderam, e o esporte passou a ser mera ferramenta/fuga para corresponder a uma meta (a vitória) cujo sentido se tornou meramente formal.

O time Rakuzan na zona

-A forma de jogar também muda, já que a psique coletiva é passível de ser moldada pelas intenções e desejos do capitão do time. Tanto Rakuzan quanto Teiko eram times que valorizavam o talento individual acima do trabalho coletivo, ao contrário de Seirin, que buscou de certa forma equilibrar as duas coisas. Isso se torna mais evidente quando Akashi perde para Kuroko e Kagami na zona e é obrigado a trazer a antiga personalidade de volta. Não é mais o talento que se sobressai, mas a capacidade de coordenação do time e o retorno da emoção como fator motivacional. 

Akashi congratula Kuroko pela vitória

-Finalmente, Akashi consegue desfragmentar aquilo que um dia foi fragmentado. Encontra um equilíbrio, não abandonando totalmente o “emperor eye”, mas também não se esquecendo das razões que o levam a se esforçar tanto no esporte, que são primariamente as razões lúdicas, isto é, a diversão.

Notas finais


-Considero Akashi uma das personagens mais bem desenvolvidas do mangá/anime Kuroko no Basuke. Toda a história dele é um exemplo de estudo e dedicação de um autor, com o único objetivo de criar uma ponte de verossimilhança entre a realidade e a ficção, e assim criar maior identificação com essa retratação da realidade. Não posso, entretanto, deixar de entender o lado da licença autoral, pois sem isso, teria sido intransigente e não assistido/aproveitado o anime como deve ser apenas pelo fato de algumas técnicas transporem o limite da realidade. Como eu mostrei, há outras variáveis passíveis de análise, principalmente no campo psicológico, e Kuroko é uma obra que pode se sobressair nesse aspecto quando quer.


Referências


Wikipedia de Kuroko’s Basketball em inglês

Wikia de Kuroko sobre Akashi


FREUD, Sigmund. Obras completas, v. 2. Rio de Janeiro: Imago, 1976.