Sakurasou No Pet Na Kanojo – Talento vs Esforço
Atenção: Esse post é um texto subjetivo do que o redator Carlos pensou enquanto assistia a obra. Não é uma análise objetiva! Quem prefere análises objetivas pode não gostar. Fica avisado de antemão para evitar reclamações de quem não curte esse tipo de post.
Talento ou esforço? Qual fator impera nos sujeitos ditos excepcionais em determinados assuntos? Qual você escolheria ter?! Acho sensato dizer que muitos de vocês, se não todos, escolheriam o talento. Não quero desmerecer os obstinados que perseveram em suas atividades, mas o mundo não é um conto de fadas, e o fato de você dedicar mais tempo a certa causa não o fará o melhor. Sempre pode haver alguém, com 1/10 de sua dedicação, que obterá resultados imediatos iguais, se não súperos, e se esse ser se esforçar, então, facilmente nos suplantaria. O inerente otimismo humano, presente inclusive na classe pessimista, tende a ignorar e camuflar o fato dessa injustiça, pois caso contrário, que razão teria alguém menos dotado de competir e persistir em algo que um outro alguém consegue com aplicação mínima?!
Podemos negar estas alegações, mas em algum ponto, todos sentimos e sofremos com uma acachapante frustração, ou angustia, ou decepção, ou os três, sentimentos amplificados pela simples, porém assustadora noção de impotência perante nossa incapacidade. O ato de falhar após o esforço, quando não há desculpa para eclipsar o fracasso, é estarrecedora demais para ser encarada abertamente, e ter o vislumbre de alguém ao seu lado, de aparência diferente, é claro, mas de forma igualmente carnal, mortal, suceder na tarefa análoga, pode, compreensivelmente, acarretar no florescer de emoções que nossa falsa autoimagem benevolente até então tornava desconhecida, a inveja, o ódio, o desejo de ter o dom do companheiro e a impossibilidade de aceitar, tranquilamente, a superioridade de outro simples humano.
Seria bonito dizer que isso serviria como um catalisador de estímulos para dobrar o trabalho, mas não somos essas figuras edificantes de ficção, não somos todos Rock Lee, e sim propensos ao desânimo, a resignação de que jamais atingiremos o nível sonhado, e qualquer empenho será em vão. E se retratada em algo que tanto amamos, a inaptidão em ser “o melhor” nos destrói, nos espatifa, o que, em casos extremos, pode levar ao isolamento e ao auto desprezo.
O mote central de Sakurasou No Pet Na Kanojo é justamente esse, mas com uma abordagem otimista e que busca, incessantemente, apresentar os contrastes de valores e percepção de ambos os casos: o esforçado e o talentoso. Para explorar o tema, ele elabora uma alternativa ousada: nos leva ao ápice do pessimismo e expõe, inescrupulosamente, a crueldade da situação, pois como um próprio personagem do anime dialoga, “esse é o mundo, injusto”. O modo simplista como a animação interpreta os dois lados da moeda cria uma dinâmica interessante, que contrasta as duas realidades sem deixar de admitir as desigualdades que nos compõem, mas também ousa visualizar uma maneira positiva de enfrentar o abatimento que corrói àqueles menos privilegiados.
A principal arma de Sakurasou utiliza para desarmar e chamar atenção do espectador se dá justamente no seu maior clichê: o harém utópico fantasioso vivido pelo protagonista. Em termos narrativos, Sorata é aquele que lamenta e vê seus colegas de baixo, apenas sonhando ter as habilidades destes, em constantes lamentações e lembretes de sua mediocridade comparativa. Entretanto, em nosso ponto de vista inicial, talvez restrito a um nicho mais masculino, o óbvio alvo da obra, o cotidiano de Sorata é uma miragem no meio do Kalahari. Viver em uma espécie de república, distante do autoritarismo paternal, rodeado de garotas que são representações Afroditianas do desejo e beleza.
Não obstante as curvas sinuosas e generosos bustos que tem acesso, o garoto ainda recebe a árdua tarefa de ser o responsável por uma dessas meninas, alienada a tal ponto de ser indiferente ao ser vista como veio ao mundo. Tarados ou não, é uma fantasia prazerosa, invejável. Sorata tem aquilo que nós queríamos. Entretanto, ele não possui, exatamente, aquilo que ele deseja, até perceber o que ele realmente precisa, e é essa a jornada proposta pelo autor para nos fazer, intimamente, expandir os horizontes quando nos deparamos com um talento sobrepujante.
Por mais que os peitos de Mashiro e Misaki sejam ímãs automáticos para o olho dos interessados, e suas características anatômicas e peculiaridades psicológicas sejam repetidamente exploradas como alívio cômico, elas vão além de uma efígie sexual. Ambas são, em suas respectivas áreas, gênios. Adjetivo muito além da designação merecia por Sorata, e por mais que sua relação seja amistosa, há momentos capitais onde essa considerável discrepância cause um desconforto descomunal. E é nesses casos onde Sorata revela uma face surpreendente para quem fora criado como um personagem minimamente calculado para servir de espelhamento genérico e manjado para o público. Aquele cara, ultra tímido, simpático e que foge dos padrões destacáveis, mas com sua boa índole e altruísmo, conquista o sexo feminino. A face secreta do estudante é irascível, descontrolada e sem pudores em descontar ressentimentos em quem estiver mais próximo, por mais inocente e alheio que seja o receptor da ira.
E é simbólico, então, que na maioria dos casos, quem dispara os ciúmes e sofra de esporádicos surtos de Sorata seja Shiina, justamente a garota mais pura e ingênua do local. Sim, a forma como fora desenvolvida serve para agradar o sexo masculino. Bela, desinibida, porém não vulgar, com uma voz suave que beira o inaudível, e uma dependência que esbanja fragilidade, tudo para passar a impressão de que o homem da relação seja a figura mandante, no poder. Só que não, pois as imagens “mentem”. Mashiro é um prodígio, abençoada com habilidades inacreditáveis e estonteantes de pintura, e além de tudo, esforçada, o que a garante um grande êxito em suas tentativas artísticas. Sorata, em contraste, falha para então… falhar novamente.
Sakurasou não espera, tolamente, que nós abraçamos o destino e o aceitamos melancolicamente, ele apenas fornece outra perspectiva sem deixar de mostrar pitacos de realidade. Mashiro e Misaki (e Ryuunosuke) são extraordinárias, mas não recorrentes, pois nos mesmos metros quadrados residem não apenas Sorata, como Nanami e Jin, sem contar Rita, todos da classe dos esforçados e que recebem várias recusas durante a trama. Em algum momento, esses nomes foram rendidos pela indignação e recorreram a depravação para com os talentosos, e somente assim, após a provação, percebem que rejeitar àqueles que estavam ao seu lado, mas não conseguiam alcançar, não era o caminho para obter regozijo, e sim afastar-se do problema sem realmente resolvê-lo.
Esses obstáculos são necessários para o amadurecimento e desenvolvimento mútuo de todos, assim como o bem-dotado não deve ser julgado como um ser arrogante e indiferente. Mashiro transmitia essa impressão de aleatoriedade e desinteresse, como se estivesse em outro plano dimensional, uma falácia percebida por Sorata em seus momentos de estima afetada e conflitos pessoais. O mesmo que Rita fez ao exortá-la para investir em mangád, e só quando estes percebem a infantilidade e o quão equivocados estavam, notam a importância de Mashiro em suas vidas. O quão precipitados e obsessos estavam em sua “inferioridade”, sem detectar a amizade que ignoravam, e como Mashiro também carecia de ambos.
Essas cenas onde Sorata se mostrava inapto para revelar sentimentos e descontava sua ira na pobre menina, fizeram com que eu alimentasse uma raiva desproporcional para consigo, algo que não senti, nem mesmo, com o “Judas Subaru”. Após refletir, inferi que o garoto empenha um papel que junta traços particulares que tentamos esconder, com outros que eu invejamos, o que estimula reações negativas. Qualquer um que já falhou em alguma tarefa, seja em aprender um instrumento, desenhar, sabe a aflição que isso causa. O desprazer de tentar, tentar, e não conseguir, enquanto outros alcançam o objetivo. Sorata é essa pessoa, porém, não vemos essa vulnerabilidade como suficiente para ignorar o que há de bom ao seu redor, e esse bom nós gostaríamos de ter. O anime refuta essa visão derrotista ao trabalhar justamente o que há de positivo em meio ao desastre.
Sakurasou oferece essa nova interpretação. De aceitar as diferenças sem abalar e abdicar do esforço, o que não garante resultados, mas é preponderante para atingi-los, e acima de tudo, enaltecer valores como amizade, respeito e generosidade. Principalmente amizade, pois são estas que podem nos facilitar temporadas conturbadas e oferecer sustento para enfrentá-las, nem que seja com o conforto de um singelo abraço. Alguém para dividir a dor que a desilusão cria, e não apelar para a reclusão, que intensifica, dolorosamente, com o passar do tempo, o sofrimento.
Em âmbito pessoal, isso me soa artificial e utópico demais, sendo constrangedor de redigir, mas seria teimosia julgar a intenção do autor, pois assim como eu não me permito crer nessa felicidade que parece sempre esperar ao final de pequenos períodos de inferno, a mente por trás de Sakurasou tem a sua visão do mundo, e certamente há os que a compartilham, e eu contundentemente apoio – e invejo – os que confiam e adotam o otimismo em seus anos respirando.
Não é exclusividade de Sakurasou desenvolver e solidificar a existência de enfermos mesclados com alegria, assim como pressionar a tecla da importância em confiarmos uns nos outros. Eu não possuo mais otimismo para tal, e isso infelizmente me causa um certo torpor na mensagem do anime, o que não me impede de reconhecer seu, ora, esforço em transmiti-la.
Como disse Christopher McCandless, “a felicidade só é verdadeira se for compartilhada”. Ignorem meu cinismo, pois assim como o esforçado almeja o dom do talentoso, eu almejo o caráter de quem ainda nutre dessa crença.