Análise – Digimon Adventure Tri 3, O Embate entre o Passado e o Futuro

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Nota: Esse texto foi feito pelo Carlos. O Marco fez o review da parte 1 (OVA 1, Ep 1 a 4), mas dropou a série depois da “Parte 2” (por isso não teve mais reviews da série depois).

Nota 2: Esse texto não é uma crítica objetiva, e sim uma análise focada em certos aspectos da obra, com comentários pontuais acerca de outros elementos. O conteúdo é, majoritariamente, subjetivo.

15 anos, 4 meses e 18 dias. Esse foi o tempo que separou a estreia de Digimon Adventure no finado Angel Mix – apresentado por Angélica em épocas saudosas em que a celebridade se deu ao luxo de fazer a clássica abertura nacional do anime, desfilando na tela como se fosse a estrela do projeto – do lançamento do primeiro Tri, – Saikai/ Reunion.

Por que digo isso? Para traçar um paralelo com a temática de ‘Confissão’, qual será abordada no decorrer do texto. O que quero dizer, resumidamente, é que quando anunciaram a volta dos personagens clássicos de Digimon, a nostalgia prevaleceu e um furor formou-se na rede mundial de computadores. Quando o anime finalmente saiu, os sentimentos de infância, em muitos casos, foram substituídos por decepções e choques de realidade, afinal, o seu eu de 2000 não é o mesmo de 2015. Cada um sabe o que enfrentou neste período.

Entretanto, gostos à parte, este novo Digimon buscou algo corajoso – fora projetado, em mínimos detalhes, para agradar e servir ao público original, assim como os personagens, sem focar em conquistar os infantes modernos que podem, afinal, apreciar as novas temporadas da série.

6 meses e 12 dias.

Esse foi o tempo de espera entre a segunda parte de Digimon Tri – Determinação – e a terceira OVA. Em comparação com a década e meia anterior, é insignificante, mas quando tratamos de personalidades, é uma quantidade considerável de tempo que pode gerar consequências e mudanças consideráveis em cada ser.

O que cada um de vocês, leitores, passou no período eu desconheço, mas ao menos no que tange a Digimon Tri, este hiato para a produção de Kokuhaku (parte 3), em romanização do japonês original, finalmente apresenta o tom certeiro para a obra, ao entrar, finalmente, em ressonância com aqueles que lhe deram sucesso há tanto tempo – os fãs, em sincronia com o que devem ser nos dias hoje: marmanjos.

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Ao contrário de nossa espera, a OVA tem início quase simultâneo ao final de Ketsui (parte 2), com a infecção de Digimons a assolar os digiescolhidos, o pesar de Mei-chan, sem seu prezado companheiro, e as ações da organização responsável por lidar com a situação. Um começo burocrático, político, inimaginável no Adventure clássico.

Porém, mesmo nos primórdios da década passada, há algo que a criação de Akiyoshi Hongo sempre teve em seu íntimo: um texto profundo e que mesclava, junto a suas cenas de ação e entretenimento puro, várias questões filosóficas e psicológicas, até por isso a utilização de brasões para definir os arquétipos das crianças – amizade, sinceridade, coragem, amor, conhecimento, confiança, esperança e luz.

Esta temática esteve presentes em Ketsui e Saikai (parte 1), mas de uma forma um tanto confusa, anticlimática, sem uma estrada definida por qual seguir. Assuntos como amizade, maturidade, fidelidade e a dicotomia entre o futuro do crescer com o passado foram dialogados, porém, como supracitado, de forma vacilante.

Em Confissão, que estabelece a metade de Tri, antes tarde do que nunca, o roteiro acerta a mão justamente ao reconhecer e assimilar a passagem de tempo e focar, definitivamente, no público que envelheceu 15 anos, assim como os protagonistas. Desta forma, o texto tem mais liberdade para temas mais amplos, complexos e ainda buscar estabelecer uma reconciliação e solução para os dilemas que a vida de “gente grande” traz.

Esta é a única condição concebível para o meio ano de espera, pois tecnicamente, de súbito, somos apresentados ao nível Toei de qualidade da animação – em aspecto negativo, caso não esteja óbvio.

E é por isso, que Digimon Tri atinge o êxito exatamente quando explora a psique dos habitantes de seu universo – reais e virtuais -, onde o orçamento e a habilidade dos animadores não influem tanto no resultado (pois quando as batalhas são o centro, é inevitável sentir uma grande frustração, como vemos no segmento 4).

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Tendo já estabelecido este cerne que discute os padrões de comportamento pré-definidos para períodos de nossa existência, os dois primeiros episódios de Kokuhaku são uma boa continuidade atmosférica do que vimos em Saikai e Ketsui. O grupo ainda mantém contato, mas os anos, as incumbências, as escolhas e tantos outros elementos acabaram por traçar planos e caminhos diferentes para cada um. Há um resquício de outrora, um elo indelével entre ambos, todos cúmplices das maravilhas que viveram nas férias em que conheceram o digimundo, mas, utilizando de um famoso chavão, “não é mais como antes”.

Assim como um filme favorito de infância, um brinquedo que tanto nutríamos carinho, são fragmentos, reminiscências de um período ultrapassado. Guardados com zelo, mas vetustos. Nem o surgimento dos Digimons pareceu desfazer estas barreiras erguidas entre eles. O limiar do amanhã; vestibular, emprego, carreira, são tormentos para a juventude – e aqui deve-se considerar a competitividade inumada da sociedade japonesa. O destino qual estão condicionais não tem espaço para tolices, aventuras, para Digimons.

E é nestas lacunas criadas entre si, na perda da inocência, quando a melancolia, a rivalidade e os nervos ampliados pelas trevas enfrentadas, que, de onde menos se imaginava, a esperança surge – da ingenuidade, da lealdade, de virtudes esquecidas onde o passado também representava o presente e o futuro. Onde o que importava era o agora e a pressão para um futuro não eram tangíveis.

Dos Digimons.

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A despeito do quão cruel a realidade fora com os escolhidos, seus pupilos mantiveram-se os mesmos: bobos, às vezes irritantes, mas sempre genuínos. São eles que, quando nada parecia dar certo, quando a solução soa inalcançável e não há apoio nem vislumbre de melhoras, encontram a reposta para impedir uma catástrofe maior, mesmo que para isso tenham de sacrificar o bem mais precioso – as memórias que constituem a amizade que tanto valorizam.

E é ao esboçar o plano, escondidamente, que vemos as cenas mais tocantes da série, no episódio três, onde temos a reconciliação entre a ingenuidade com a maturidade. Quando o labirinto parece dar um caminho que cruza intrinsecamente a simplicidade perdida com a experiência do passar dos anos.

Simbolicamente, então, apenas ao perder os Digimons – ou seja, a inocência – que os escolhidos se dão conta de sua importância, e assim partem, provavelmente pela última vez, ao Digimundo resgatá-los(a).

Seguindo a teoria narrativa proposta por Aristóteles, estamos agora em algum ponto entre o final do ato II com o início do ato III, onde o clímax se desenrolará com o ápice dos obstáculos, e somente ao aceitar a vida adulta sem esquecer de sua identidade que os agora jovens conseguirão enfrentar o pernicioso vírus e àqueles por trás da malevolência.


Segundo os abismos da internet, a quarta OVA se chamará Loss (perda, em tradução livre), e será lançada no dia 15 de Fevereiro de 2017.

Carlos Dalla Corte

Curto 6 coisas: animes, cinema, escrever, k-pop, ler e reclamar. Juntei todas e criei um blog.