As Crônicas de Arian – Capítulo 6 – A verdade sobre o guardião
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Capítulo 6 – A verdade sobre o guardião
Sara recobrou a consciência lentamente. Estava sendo carregada. Se desesperou por um breve segundo, até notar que era Arian a segurando. Ela, debaixo do braço direito, e Robert, apoiado em seu ombro esquerdo.
Não acreditou no que estava vendo… O rosto de Rob estava em carne viva, mas ele estava respirando. Pensou que ele estava morto, que os dois não iriam sobreviver…
Estavam no caminho de pedras no meio da floresta entre o bar e a cidade, ele era mais curto comparado a estrada de terra. Dava para ver tudo em volta graças à luz da lua.
— Como quer que eu te carregue com os dois braços ocupados? — falou Arian, olhando para o lado. — Não vou largar um deles! — Não parecia irritado, era quase como se estivesse achando graça de alguma coisa. — Está exagerando… Como carregar alguém pode ser categorizado como um abraço?
Sara já tinha visto isso no bar, mas nunca se acostumou com ele falando sozinho. Ele era mesmo louco? Não tinha coragem de perguntar.
Foi quando reparou em outra coisa. Aquele homem tinha 1,80 m no máximo, como conseguia carregar ela, e Robert, com seus 2 metros, ao mesmo tempo?
Seus pensamentos foram interrompidos pela volta repentina da dor em suas costelas e rosto. Tossiu com o cheiro de terra suja em seu rosto, misturada ao sangue se acumulando em sua boca.
— Oi, Sara, você está bem…? — A garota o olhou, tentando acenar com a cabeça, com dificuldade, devido a dor. — Certo, foi uma pergunta idiota… Consegue andar? — Arian a colocou no chão.
— Sim, acho que sim — Estava mentindo. Seu corpo todo latejava, o rosto devia estar todo ensanguentado e inchado, e seu abdome e costelas doíam muito, a ponto de mal conseguir ficar em pé.
Arian parecia ter notado a dificuldade dela, mas se mostrava em dúvida quanto ao que fazer. Devia achar que voltar a posição anterior, a carregando igual um saco de batatas, era meio humilhante para ela.
— Bem, que tal se apoiar no meu ombro? — Sugeriu sem muita confiança. Parecia uma pessoa completamente diferente do que viu quando ele estava enfrentando os soldados…
— Obrigada — disse Sara tentando sorrir, o que fez Arian rir. — Qual a graça?
— Ah, bem… Quando chegarmos, se olhe no espelho e tente sorrir — respondeu , desfazendo seu sorriso lentamente.
Sara o encarou, perplexa, ao notar como ele estava relaxado depois daquilo tudo.
— Desculpe… mas, bem… vocês estão vivos, e em melhor situação comparado a muitos que conheci que passaram por coisa similar… Não tenho um bom histórico com situações assim, então entenda que estou bastante feliz por terem saído vivos. Não acreditei, quando vi que Robert ainda estava respirando.
Foi quando Sara olhou para as próprias mãos, todas machucadas e sujas de terra, e se lembrou do que fez… Seu estômago se revirou novamente e começou a suar frio. Se sentia culpada, tinha que falar para alguém.
— Arian, eu… Aquele homem…
— Eu sei… — respondeu o guardião, sem olhar diretamente para ela.
— O que eu faço? E-eu…
— Tem várias palavras reconfortantes que dizem nesses momentos, mas nenhuma delas resolve grande coisa.
Arian olhou para o céu, com um ar de quem estava vislumbrando o passado.
— Acho que quase todo mundo sente alguma coisa na primeira vez… culpa, arrependimento, tristeza. Na guerra, vi alguns ficarem loucos com isso, outros superarem, outros se acostumarem. No meu caso, depois de algum tempo, parei de me importar… Não sei se isso é uma boa coisa, mas se acovardar por causa da culpa, como eu já fiz, também não é… — Arian fechou o punho com força, como se estivesse com raiva, enquanto lembrava de algo. Depois respirou fundo, e continuou. — Você lutou pela sua vida, Sara, não tem motivo para sentir culpa. Ainda assim, vai sentir, e felizmente, posso dizer que isso passa. Conte para alguém de confiança se achar que precisa, mas não tenha vergonha do que fez. E um conselho, tente não ficar pensando muito nisso. Aceite o que fez e siga com sua vida. E se um dia precisar fazer de novo, não pense, só faça! Só… faça…
A voz de Arian deu uma leve oscilada no final. Estava falando com ela, mas ao mesmo tempo, era como se estivesse falando consigo mesmo, se lamentando de algo. Sara ficou em silêncio por um tempo enquanto caminhavam. Mas só de falar sobre aquilo para alguém, e Arian acreditar que ela tinha feito o certo, já a fez se sentir melhor. Foi então que recobrou sua última lembrança, antes de desmaiar no armazém.
— Tinha alguma coisa… alguém me ajudou, eu acho, usava um manto negro… não consegui vê-lo direito — disse Sara, tentando recordar sua visão do vulto coberto em uma capa rasgada.
— O tal cavaleiro da morte de que andam falando? Não tinha ninguém quando te achei… Mas se ele existe mesmo, ao menos está servindo a uma boa causa.
— E aqueles homens, eles… — perguntou, enquanto continuava andando apoiada no ombro de Arian, e ele a segurando pelo quadril.
— Não me preocuparia mais com eles se fosse você — Arian parecia em dúvida do que dizer a seguir, até que, do nada, virou o rosto para o lado. — <E>, eu juro que você parece sádica às vezes….
Sara olhou na mesma direção, mas não viu nada.
— Com quem você fica… falando? — Ela não aguentava mais aquilo, tinha que perguntar. E precisava pensar em outra coisa, como Arian a recomendou.
— Ah, bem… acredita em… fantasmas? — perguntou ele, inseguro.
— Claro que não — Sua mãe adorava contar histórias sobre isso, mas sabia que eram só contos para assustar, nunca conheceu ninguém que tenha realmente visto um fantasma. Mesmo aquele vulto que viu, acreditava ser apenas uma pessoa com uma capa negra.
— Hum… certo… imaginei… então… tenho um trauma com a morte da minha irmã e fico fingindo que a vejo e falo com ela para me acalmar… — falou ele em um tom meio inseguro.
— Ah… entendo, sinto muito. — Sara achou que era porque não costumava se abrir daquela forma para ninguém, e ficou tocada com sua situação.
— Por que nisso todo mundo acredita…? — sussurrou de forma que ficou difícil escutar.
— Como?
— Deixa pra lá… — disse com uma cara meio infeliz.
Ela reparou na roupa dele completamente encharcada. Reconhecia o cheiro leve de musgo. Ele foi no lago?
Ao notar a garota olhando para a roupa úmida, Arian acrescentou:
— Se ficassem à vista, os militares iriam encontrar os corpos pela manhã, e se vingar nos moradores do vilarejo. No fundo do rio ninguém vai encontrá-los. Cortei as cabeças e amarrei uma pedra junto do corpo de cada um, para garantir que não voltem a superfície por causa da maldição, ela é muito forte nessa área — respondeu ele, sanando a dúvida quanto a roupa encharcada. — Desculpe não ter ajudado contra o Philip. Um dos soldados não era humano, e meu deu mais trabalho do que o esperado.
Quando ele falou dos corpos, Sara lembrou de seu pai morto e começou a chorar.
Não tinha mais nada, era a segunda vez que lhe tiravam sua família. Se sentiu completamente sozinha, enquanto caminhava lentamente por aquela trilha de terra. Ao longe já podia ver a vila.
Após alguns minutos, ganhou coragem para confirmar:
— Meu pai, ele…
— Eu enterrei seu pai ao lado do armazém. Tem uma marcação com pedras, caso queira visitar seu túmulo um dia — falou com um ar mais sério dessa vez.
— Obrigada…
Arian parecia meio sem jeito, sem saber se olhava para ela ou desviava o olhar. Ficou pensativo por alguns segundos, e então disse:
— Sei que as coisas estão ruins, mas prometo que vai ter uma vida feliz daqui pra frente Sara. E não que sirva de consolo, mas tenha um pouco de esperança para o que vem a seguir…
Ele não falou mais nada depois disso. Só continuou olhando para frente, enquanto ela o acompanhava, chorando e soluçando. Algum tempo depois, chegaram ao centro do vilarejo, com várias casas de madeira e algumas poucas lojas, todas fechadas a essa hora.
Arian bateu na porta de um dos fazendeiros mais ricos da vila, proprietário de uma casa enorme com mais de dez quartos, no meio da pequena cidade. Era dono de metade das terras à volta dali.
— Sou eu, Josep — disse ele. Alguns minutos depois, a porta se abriu.
Ambos, ela e Robert, foram limpos e tiveram as feridas tratadas pela empregada da casa. Arian ficou conversando com o dono na sala, com quem parecia bastante a vontade.
Sara queria entender o que estava acontecendo ali, tinha tantas perguntas… mas estava cansada demais para isso. Assim que se acalmou, depois de se lavar e ter os ferimentos limpos, desmaiou de cansaço na cama.
Quando acordou, na manhã seguinte, e se olhou no espelho, entendeu porque Arian estava rindo. Um de seus dentes da frente estava quebrado dos socos que levara, e seu rosto, todo inchado e cheio de feridas, estava muito feio. Pensando agora, foi meio rude dele rir disso…
Ao deixar o quarto de hóspedes, no primeiro andar da casa, mancando, devido ao corte na perna, viu Arian, saindo do quarto onde Robert estava.
Ele caminhou até ela, provavelmente já sabendo o que ela queria perguntar.
— Robert está bem, as feridas na perna não parecem ser tão graves, deve estar andando normalmente em umas 3 semanas. Já o rosto… vai demorar alguns meses para se curar completamente, e mesmo assim, ele não deve conseguir mais falar direito. — Arian pareceu meio triste nessa parte. — Vários ossos da mandíbula foram esmigalhados. E além das partes fraturadas do crânio, ele perdeu alguns dentes… Fora isso, está bem… — Estava parecendo meio perdido no que dizer. — Não parece tão positivo quando descrevo assim… nunca fui bom nisso… então… cuide dele até ficar bom, ok?
Sara estava com um leve sorriso no rosto, parecendo aliviada. Robert não conseguir falar era ruim, mas ao menos ele estava vivo.
Foi então que reparou no rosto de Arian. Estava sem o capuz, e de barba feita, pela primeira vez desde que chegou na cidade. O cabelo era castanho escuro, curto, e os olhos verdes. Não era muito mais velho que ela, aparentando ter perto dos 20 anos.
Ao notar que estava sendo averiguado, sorriu para ela, sem graça.
— Devo estar meio diferente. Odeio barba, mas tenho que ficar assim em todo vilarejo que vou porque, caso contrário, os habitantes não me levam a sério. Segundo eles pareço um… ‘pirralho, moleque, e…’ quero esquecer as outras definições… — disse ele com uma cara infeliz.
Sara, acostumada a ver Arian quase sempre sério, relaxou ao notar que ele ficava emburrado também, como qualquer pessoal normal. Sorriu, mas logo lembrou de seu dente quebrado e tapou a boca.
— Ah, não se preocupe, quando chegarem lá procure uma mulher chamada Elza, ela pode ajeitar esse tipo de coisa, eu acho… Já o seu rosto, vai demorar um pouco para voltar ao que era… — disse Arian, achando graça da reação de Sara.
Sara ficou perplexa com que ele falou.
— Chegarem lá?
— Eles vão te explicar tudo. Nos despedimos aqui — Ele se aproximou e deu um abraço de leve, meio sem jeito. Provavelmente com medo de machucá-la, já que estava com várias costelas quebradas. — Sei que passou por muita coisa ruim até hoje, e não posso lhe compensar pelo que perdeu. Mas posso te prometer um futuro feliz. — Ele se afastou um pouco e olhou nos olhos dela. — Seja feliz Sara, você, dentre muitas pessoas que conheci, com certeza merece.
— Ai! Para com isso <E>! Ai! Foi só um abraço! Minha cabeça! — Ele saiu andando meio bambo e resmungando até a porta e quase caiu. Sara entendia o problema com a irmã, mas ainda assim, era estranho vê-lo imaginando a menina. Devia ser muito ciumenta…
Quando saiu pela porta, um homem segurando um cavalo o esperava. Era o dono da casa.
— Foi o melhor que conseguiu com o que lhe dei? — Arian olhou com desgosto para o cavalo.
— O que esperava nesse fim de mundo seu moleque esnobe? Sobe logo nele, ou vai sair daqui a pé — o dono da casa retrucou mal-humorado.
Arian subiu no cavalo e colocou seu capuz sobre o rosto.
— Espero nos vermos de novo um dia Sara, até lá. — Ele então tocou o cavalo e partiu.
— O-obrigada. — Foi só o que conseguiu dizer.
Nesse momento, Robert saía do quarto com a ajuda da empregada da casa, parecendo atordoado. Seu rosto estava todo enfaixado.
— Robert! — Sara se adiantou, indo até ele — Como você está?
— Viv-o… — disse ele, com dificuldade. Parecia estar sentindo muito dor para falar. — Ele já foi?
— Acabou de sair.
— Me deu… Isso… Le-var você a Dinasty. — Robert parecia estar comendo as palavras da frase, propositalmente, para falar o mínimo possível. Ele então mostrou uma sacola de dinheiro, cheia de moedas de ouro, que, aparentemente, Arian deu a ele como pagamento. Sara arregalou os olhos. Tinha dinheiro o bastante ali para comprar aquela casa em que estavam.
— Como…? — Sara estava boquiaberta. Correu para fora para tentar falar com Arian, mas ele já estava longe.
— Quem era ele, afinal? — falou balbuciando para si mesma.
O homem de uns 50 anos, dono da casa, sorriu com o espanto dos dois. Arian revelou suas intenções a ele na noite anterior, pouco antes do incidente no bar, e o que iria precisar.
— Arian, um dos sete guardiões de Distany — falou ele.
Sara olhou de novo enquanto ele ia embora a cavalo, não podia acreditar no que estava acontecendo ali.
— Parabéns, Sara. E seja lá onde estiver, seu pai deve estar feliz também — disse o homem, dando um tapinha em suas costas.
Distany, uma cidade perto da fronteira do sul com o deserto de fogo, no meio de uma floresta e perto de um grande lago. Só elfos e meio-elfos podiam habitar, além de humanos que fossem seus familiares. Mas hoje em dia mesmo meio-elfos precisavam de aprovação para entrar lá.
Era considerado o paraíso da sua raça. A todos lá dentro era garantida moradia e alimentação, além de serem ensinados um ofício. A cidade era nova, mas rapidamente ficou famosa por materiais confeccionados usando magia élfica, que alguns dos meio-elfos eram capazes de empregar.
Hoje em dia, tudo feito lá era considerado de luxo, e vendido a preços caríssimos, devido à qualidade. A cidade dos sonhos de qualquer meio-elfo, e Sara acabou de ganhar permissão de viver lá.
— Vai ter que ficar aqui em casa mais umas 4 semanas, no entanto, até Robert e você poderem andar normalmente. Não se preocupem, já está tudo pago. E mandei um de meus funcionários cuidar do bar a partir de amanhã, para evitar suspeitas do exército. E pare de me olhar com essa cara desconfiada, Robert, não sou louco de voltar atrás em um trato com aquele garoto.
Pela segunda vez naquele dia Sara chorou, mas dessa vez, não foi de tristeza.
Próximo: Capítulo 7 – Sem opção
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