As Crônicas de Arian – Capítulo 44 – A verdade
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Capítulo 44 – A verdade
“Força é uma arma de dois gumes, Arian. Por um lado, suas chances de sobreviver as adversidades são maiores, e você pode lutar pelo que deseja, ou defender quem ama, enquanto uma pessoa fraca só pode tentar, falhar, e morrer, quase sempre. Ser forte pode parecer algo vantajoso, mas só significa que você vai ter que conviver com suas falhas, ao invés de poder se libertar delas com a morte. E acredite, você vai falhar, inúmeras vezes. Não acredite nas histórias bonitinhas que lê por aí. Nós falhamos mais do que somos bem-sucedidos. Mas, às vezes, só às vezes, você vai realmente triunfar, e isso vai mantê-lo seguindo em frente. Jamais se esqueça desse sentimento de vitória, pois é isso que vai ajudá-lo, quando se encontrar em seu momento mais sombrio e desesperador.”
Logo após relembrar as palavras do líder de sua antiga guild, Arian acordou. Estava no quarto de Joanne, na guild. Seus ferimentos externos nem apareciam mais, só as feridas internas não estavam completamente curadas, e como consequência, se mexer ainda lhe causava um pouco de dor. <E> estava ao seu lado, com sua cara de preocupação costumeira, quando ele acabava quase morto. Mas parecia aliviada ao vê-lo acordar. No quarto, estavam Joanne, Irene, Jon, Kadia, Zek, Dorian, uma garota loira de uns 10 anos e… Tinha um lobo preto gigante no quarto com eles.
Arian começou a rir, e o cachorro latiu para ele, parecendo irritado.
— Como ele conseguiu isso? — perguntou Arian.
— Assim que trouxemos vocês para guild, ele disse que precisava relaxar, e foi procurar um bordel que ainda estivesse aberto na cidade, depois da confusão. Mais tarde, apareceu nessa forma.
— É o pagamento dele. Já devia estar com pouca energia depois de se transformar duas vezes, e aí, o maluco ainda foi gastar mais energia em um bordel… Eu ainda falei para ele que esforço físico também gasta energia espiritual, quem mandou não me ouvir — Arian voltou a rir, e Marko, em sua forma de lobo, a rosnar para ele. O guardião então olhou ao seu redor, procurando alguém. — Cadê a Lara?
— Não é só o Marko que tem um pagamento estranho… — Joanne apontou para a garota loira a seu lado, aparentando uns 10 anos. Cabelo loiro, olhos azuis, e usando apenas um vestido preto, bastante simples.
Arian ficou cético, achando que era uma piada. Até notar que, de fato, ela era muito semelhante a Lara. Na verdade, tinha outra coisa que o estava incomodando na aparência da garota, mas preferiu não falar nada por enquanto.
Todos do grupo estavam no quarto. Joanne em pé, encostada na parede que ficava de frente para a cama de Arian. Dorian estava sentado em uma cadeira perto da porta. Marko e Kadia na beirada da cama de Arian. Jon sentando na cama ao lado, onde Zek estava deitada. Parecia estar ferida, mas o rosto continuava inexpressivo, como de costume.
O lobo preto começou a latir para Joanne.
— Ele quer as respostas que você prometeu, depois que Arian acordasse — disse Kadia, lendo a mente de Marko. — É curioso como a aparência é de um lobo, mas a mente ainda pensa como um humano.
Joanne pegou uma cadeira próxima e sentou nela, pensando por onde começar.
— Sendo o mais direta possível… Estamos carregando uma relíquia com a alma de Victor Magnus.
Todos ficaram em silêncio por um breve momento, até Arian perguntar:
— Aquele Victor? O Lich?
— Lich? — questionou Kadia.
— É nova no sul, Kadia?
— Cheguei aqui faz dois meses. Morei no centro do continente a maioria do tempo, desde que cheguei aqui. Não comentam de nenhum Lich por lá.
— Faz sentido, é algo mais comum nas lendas do Norte e Sul… Jon, você é o livro ambulante, resuma, por favor. — disse Joanne.
Todos olharam atentos para o garoto.
Jon pareceu meio envergonhado com tanta atenção, mas se concentrou, como se buscasse a história em sua mente, e começou:
— Victor Magnus é a figura de uma história de mais de 1000 anos atrás. Ele invadiu o Sul, e quase o dominou por completo. Mas quando chegou a parte final, na Torre de Luz, comandada pelos Sacerdotes, a coisa mudou. Guiados por Lancaster, e um exército de celestiais, que vieram em seu auxílio, eles conseguiram virar a guerra e matar Victor. É o único caso documentado dos celestiais intervindo em uma guerra em nosso mundo, e essa é a versão mais aceita da história.
— Como assim? — questionou a demônio.
— A documentação nesse mundo é péssima, e varia do ponto de vista e conhecimento da pessoa que a escreveu. Cada guerra, fato importante, ou conto simples, costuma ter mais de uma versão. Geralmente, costuma-se acreditar na versão mais difundida. O conto da origem de Lancaster tem umas cinco versões, o conto de Lunar, possui pelo menos três, e por aí vai. A guerra contra Victor tem mais de dez versões, algumas com diferenças pequenas, e outras tão absurdas que a maioria ignora.
— Entendi. Mas esse tal de Victor…se ele morreu, por que a preocupação com a alma dele nessa caixa? — questionou Kadia, confusa.
— Sim, já vou chegar lá… Depois de salvar o Sul, Lancaster marchou com seu exército de celestiais, na tentativa de tomar do Norte as terras que pegou do Sul. Mas para surpresa deles, encontraram Victor, revivido, defendendo a fronteira com um exército de corpos sem alma.
— Podia ser o filho dele, ou apenas alguém parecido… — Kadia parecia incrédula.
— Não, Victor foi revivido usando magia de uma das dimensões negras — Jon explicou.
— A dimensão negra — corrigiu Irene.
— Não, existem várias, as pessoas começaram a simplificar para uma ao longo dos anos, mas tem um monte delas, com diferenças notórias. De qualquer forma, Victor voltou como um corpo que se alimenta da alma dos outros, para tentar sustentar sua existência, ou mais precisamente, uma alma que devia estar morta, mas permaneceu no mundo dos vivos. Mesmo em um estado decrépito, e consumindo almas dos vivos para sobreviver, era visto como um herói tentando salvar o Norte a qualquer custo. Um novo embate aconteceu entre o Victor e Lancaster na fronteira. Essa parte é confusa, e a que mais se altera em cada versão da história. Mas o resultado da batalha, que dizem ter sido tão colossal, que até mesmo alguns dragões tentaram intervir, incluindo um mítico dragão dimensional, foi a cratera que hoje forma a floresta dos amaldiçoados, onde ficava a antiga capital do Sul, Temeras.
— Já ouvi dos dragões azuis, brancos, negros e vermelhos, e diversas outras cores, mas dimensional é a primeira vez. O que ele seria? — perguntou Dorian, interessado.
— Segundo diz a lenda, ele é o Deus dos dragões, e mantém o fluxo entre as dimensões estável, viajando entre elas. Antes do conflito com Victor, é dito não haver muitos casos de portais temporários, e menos da metade dos portais fixos de hoje em dia existiam. Depois da batalha em que esse Dragão interviu, os portais temporários começaram a aparecer sem parar, como se a conexão entre as dimensões tivesse ficado instável. A explicação faz sentido, em geral… Onde eu estava?
— Fim da batalha do Sul e Norte — disse Arian, interessado. Tinha coisas ali que ele nunca tinha escutado.
— Bem, é aí que vem a parte interessante. Depois desse embate, e confirmada a morte de Victor pela segunda vez, uma figura fantasmagórica com a voz e aparência de Victor começou a aparecer no campo de batalha, sempre que o Sul invadia o Norte. Essa figura ganhou o nome de “Lich”, um personagem originalmente tirado de uma história infantil para assustar crianças. Ele comia as almas delas, se não dormissem cedo… — Jon fez uma cara de “é estúpido, eu sei”, nessa parte. — De qualquer forma, liderando um exército de amaldiçoados e humanos do Norte, o Lich dizimava nosso exército, sempre que tentávamos invadir o país vizinho. Dizem que as criaturas que habitam a floresta da morte são resquícios do exército dele, além do local ter uma maldição deixada por Victor, para destruir lentamente o Sul. Os amaldiçoados, como os chamamos, são originados dessa magia.
— Espera, ele consegue bloquear os avanços do Sul com facilidade, pelo que você descreveu. Para que a maldição? Não seria mais fácil invadir o Sul de uma vez?
— A teoria é que Victor, desde que se transformou no Lich, fica mais fraco conforme se aproximada do portal que leva a dimensão dos celestiais. Por isso ele não avança mais para dentro do Sul, já que poderia ser aniquilado se o fizesse. Da mesma forma, a maldição que ele pôs aqui, que permite aos mortos andarem, fica mais fraca, até o ponto de não existir mais, conforme você adentra o Sul e se aproxima do portal para dimensão dos celestiais, onde se localiza a Torre de Luz, a base dos sacerdotes.
Jon se distraiu por um momento ao olhar para Zek, que estava sorrindo, uma coisa bem rara. Ela parecia gostar de escutar ele falar. Jon sempre achou isso curioso, já que a maioria das pessoas achavam um tédio.
— Em suma, no Norte, Victor tem poder total, e é por isso que não tentamos mais invadi-lo. Atualmente, apenas brigamos pelo suprimento de água do grande lago da fronteira, nunca avançamos acima dele. Como resultado, o Lich não é visto faz muitos anos. Alguns acham que é tudo um mito, e outros acreditam, mas é fato que estamos em tempos bem pacíficos, comparado há anos atrás. A guerra na fronteira existe mais para os dois países demonstrarem seu poder, e manterem um ao outro em alerta, do que uma real intenção de invadir.
— E o tal de Lancaster, não devia ter ajudado contra essas aparições do Lich? — perguntou Kadia.
— Dizem que morreu, ou se cansou de lutar, tem várias versões. Mas como ele é citado em lendas de batalhas menores, depois da guerra contra Victor, estar vivo é mais provável.
— Certo… E a maldição, como funciona exatamente? Não existe nada parecido fora do Sul. Eu achei muito estranho a primeira vez que vi pessoas cortando a cabeça dos mortos, antes de enterrá-los. — comentou Kadia.
— Quando alguém morre, ou mesmo está perto de morrer, no Sul, a maldição faz um pequeno portal da dimensão negra surgir ao lado do corpo, praticamente invisível aos olhos. O resultado da pessoa absorvendo muita energia da dimensão negra, depois de morta, é ela voltar a vida, como um corpo sem consciência, todo negro, e com olhos verdes, que só quer atacar tudo que vê pela frente. Quanto mais energia ela absorve, mais diferente seu corpo fica, a ponto de alguns se tornarem demônios de alto nível. Muitos acham que foi uma vingança do Victor por perder a guerra, mas para mim, me parece mais uma forma de destruir o Sul a longo prazo.
— A aula de história está boa, mas que tal explicarem essa tal alma do Victor que estão carregando? — falou Dorian, começando a parecer entediado.
— O ritual para criação do Lich descreve o transplante de metade de sua alma para um objeto, e a necessidade de se alimentar de outras almas, já que a dele para de produzir energia espiritual com o transplante. Ele é imortal, enquanto o objeto para o qual transplantou metade de sua alma existir, e estamos com ele aqui. Se o destruirmos, será possível matar Victor e a maldição que assombra o Sul há mais de 1000 anos, irá acabar, junto com ele. A maldição está se expandindo e ficando mais forte ano a ano. Antigamente apenas corpos próximos a floresta dos amaldiçoados voltavam a vida, mas com os anos isso foi se espalhando, e hoje, mais da metade do Sul já sofre com a maldição, nos obrigando a purificar os corpos, ou cortar a cabeça deles, antes de enterrá-los. Nos casos mais graves, pessoas vivas estão se tornando amaldiçoadas, e isso só tende a piorar.
— Certo. E como se destrói essa coisa? — perguntou Kadia, olhando para o objeto na cintura de Lara.
— Há mais ou menos uns 100 anos, um Sacerdote encontrou escondido em uma catacumba do Norte, esse objeto com a alma de Victor. Sem saber como destruí-lo, no entanto, ele o levou para o templo dos sacerdotes e o selou na câmara que fica abaixo do portal da dimensão dos celestiais. Ele então começou a pesquisar formas de destruir o objeto: Tentou armas celestiais, magias de todo tipo, mas nada funcionava. Quando estava perto de sua morte, encontrou uma lenda sobre as Lâminas do Sol destruírem objetos amaldiçoados, e começou a viajar pelo mundo, tentando encontrar uma. Depois disso, nunca mais foi visto.
Jon fez uma pausa e olhou para Lara, que parecia entediada com a coisa toda, e estava olhando para Arian. Vê-la daquele tamanho era estranho. Se sentia superior a ela, que agora era bem mais jovem que ele, mesmo que temporariamente.
— É aí que a Lara entra. A câmara onde o sacerdote guardou a relíquia com a alma do Lich tinha um sistema que só se abriria para uma Sacerdote especial, que conseguisse invocar uma quantidade de energia muito maior que o normal. Lara foi a primeira sacerdotisa a ser permitida entrar na câmara desde que seu criador sumiu. O teste da entrada, no fim das contas, era só uma forma de encontrar alguém com poder o bastante para conter a maldição dessa relíquia, e poder carregá-la por aí, até um local onde pudesse ser destruída. Depois disso, fomos ordenados pelo líder dos sacerdotes a ir para Sunkeep, conseguir a espada feita com alma de Fênix, a Lâmina do Sol.
— Estava tão perto e o sacerdote que encontrou esse objeto não sabia que eles tinham uma? — questionou Kadia.
— Elas foram extintas. Ele sabia que a última documentada está perto da fronteira, com o Rei de Sunkeep, mas só servia de enfeite no palácio. Sem alguém que a alma da Fênix aceite, a arma é inútil, e há anos ninguém conseguia pegar nela. A coisa mudou há 10 anos, quando o príncipe de Sunkeep, agora coroado novo Rei, conseguiu empunhá-la. Precisamos chegar lá o mais rápido possível. Quanto mais demorarmos, mais tempo Victor vai ter para tentar pegar a relíquia de volta.
Kadia, Arian, Marko e Dorian estavam olhando meio incrédulos para a caixa preta, do tamanho de um punho, que Lara tirou do saco preso ao cinto e os mostrou. Parecia um objeto comum tirando alguns símbolos estranhos a toda volta do objeto quadrado.
— Supondo que eu acredite em vocês. Isso não é grande o bastante para mobilizar um exército de escolta? — questionou Kadia.
— Se alguém importante acreditasse na gente, sim… — falou Joanne. — Infelizmente, não tivemos muito apoio externo. Até na torre dos sacerdotes, uma parte acha isso tudo bobagem, enquanto os que acreditam, acham que devemos manter tudo sigiloso, e chamar pouca atenção. Daí o grupo pequeno, com os melhores guerreiros da torre. Quer dizer, menos o Jon, ele é meu assistente pessoal, por isso veio junto. — Joanne se sentou em uma cadeira, parecendo cansada. — Nada garante que toda essa lenda seja verdade, estamos apenas seguindo as instruções deixadas por um sacerdote que já morreu há muitos anos. A missão só foi iniciada por causa do sonho de Lara com a deusa Alizen, que a levou até o templo do sacerdote. Ao verem alguém conseguir entrar lá, alguns líderes da Torre de luz começaram a botar mais fé na história. — falou Joanne. — E dito tudo isso, espero que não voltem atrás agora. Precisaria matar todos vocês…
Arian e Dorian riram. Kadia não, provavelmente porque notou que havia um pouco de seriedade no que ela falou. <E> ficou atenta ao que Jon falou o tempo inteiro, como era esperado de alguém que adorava ler e escutar contos e histórias do passado. Arian achava uma pena ela não poder segurar um livro por si mesma.
— Bem, Lara ainda não me contou tudo que sabe sobre mim, ou como me conheceu e quem eu era. Estou dentro. — disse Arian, voltando sua atenção para o grupo.
— Não disse que sou mais importante para você que suas memórias? — questionou Lara, insatisfeita com o que escutou.
— Você encolheu, mas a personalidade definitivamente continua a mesma — Arian ainda estava meio incrédulo com seu tamanho. A garota mostrou a língua para ele em resposta.
Kadia, que estava pensativa até ali, finalmente confirmou:
— Sem problemas por mim. Mas… gostaria que… me ensinassem a usar a magia dos celestiais.
— Será um grande prazer. Se tivesse domínio dela, talvez tivesse ganhado do Valadar sozinha — disse Joanne, parecendo bastante otimista.
— Poderia ser considerada uma classe SS? — Kadia parecia surpresa com o que Joanne disse.
— Se aprender a usar magia celestial como a Lara, com certeza.
— Vai sonhando — disse Lara, que fez uma cara desafiadora para Joanne, como se o que ela estivesse dizendo fosse impossível.
Isso só animou Kadia ainda mais, provavelmente pelo desafio.
— Contem comigo — disse a demônio.
Dorian balançou a cabeça, confirmando que iria continuar também. Joanne parecia menos tensa depois disso.
— A propósito, cadê minha espada? — perguntou Arian.
— Debaixo da cama. Essa porcaria tem um peso absurdo, tivemos que colocá-la em cima do seu corpo para ela ficar com o peso normal e podermos trazê-la de volta.
Arian deu uma risada.
— Eu disse que a minha não fazia nada tão chamativo como a da Lara.
Arian se levantou, e pegou a espada. <E> ficou ao lado dele, curiosa para ver o que iria acontecer.
— Eu disse que essa era uma lâmina espiritual morta, ou semimorta, já que ainda faz algumas coisas estranhas. Mas acho que nunca comentei o tipo dela. Essa é uma Lâmina do Sol morta. Será que funciona contra a relíquia?
Joanne deu um pulo, parecendo muito interessada. Lara hesitou por um momento, e depois pegou a relíquia e a colocou no chão.
— Tente quebrar a caixa com ela, rápido, antes que comece a encher o quarto com uma fumaça amaldiçoada e mate todos aqui — disse Joanne.
— O que ela faz quando você toca nela, falando nisso? — perguntou Kadia.
— Abre vários mini portais da dimensão negra em volta de você, na tentativa de transformar a pessoa em um amaldiçoado. A única forma de conter é jogando energia da dimensão celestial em cima do objeto, constantemente. — Joanne explicou.
Arian levantou sua espada e a desceu com força sobre o objeto. Mas antes que a lâmina encostasse no mesmo, ele e a espada foram arremessados para trás, com Arian batendo de costas na parede, e a espada ficando cravada na mesma.
— É, acho que vamos precisar de uma Lâmina do Sol que funcione direito… — disse Dorian, caindo na risada. Marko estava rindo também, ou ao menos parecia estar. Na forma de lobo, no entanto, era difícil ter certeza, já que ele parecia estar soluçando. Arian, parecendo dolorido, voltou a deitar na cama.
— Valeu a tentativa — falou Joanne, enquanto Lara rapidamente pegava o objeto no chão, e parava a fumaça saindo dele com energia da dimensão celestial. — A cidade está a maior bagunça, e ainda estão contando os mortos. O líder da guarda descobriu que estávamos envolvidos no incidente, através de relatos. E não sei bem como, mas sabia se eu estava mentindo, ou não, quando me interrogou. Fui obrigada a contar tudo, e ele nos intimou a sair da cidade até amanhã, e nunca mais voltar aqui com esse objeto. Então, não vamos poder esperar o Arian e a Zek se curarem por completo.
— Eu estou bem, e meu braço vai estar funcional de novo em alguns dias. Eu me curo rápido. — disse Zek, não querendo parecer um empecilho.
— Sorte a sua que foi um corte liso, é muito raro conseguir colocar de volta seu braço e os ligamentos se reconectarem. Se Jon não tivesse juntado seu braço a você rapidamente e alinhado os ligamentos para seu corpo tentar reconectá-lo, teria perdido o membro — comentou Joanne, ainda incrédula em como Jon conseguiu fazer isso. Ele relatou que desmaiou algumas vezes durante o processo, e que aprendeu lendo os livros da guild de Arian, sobre primeiros socorros. — Tudo explicado, partimos amanhã, façam os preparativos que acharem necessários.
Todos se levantaram de onde estavam sentados, tirando Arian e Zek, que continuaram deitados.
Nesse momento, Marko foi até Jon, e começou a empurrá-lo com a cabeça na direção de Joanne.
— Agora? Não pode ser depois? — perguntou o garoto, olhando para o lobo gigante.
Marko latiu para ele. Pelo jeito não podia ser depois. Jon então se dirigiu a Joanne, meio envergonhado.
— Eu… Eu queria agradecer por ter deixado eu e Zek irmos ajudar as pessoas naquele dia, mesmo ela sendo necessária. Então… — Jon pegou algo em seu bolso, e estendeu sua mão, entregando um embrulho a Joanne. Ela pareceu um pouco chocada, mas logo abriu o presente. Era um colar dourado, com uma corrente bem fina, e um pingente no formato do símbolo de Alizen. No meio do pingente, tinha uma joia azul, muito bonita.
— É lindo… Mas onde conseguiu dinheiro para comprar algo assim? — perguntou ela, ainda pasma, observando o presente.
— Eu, Marko e Dorian ganhamos algum dinheiro em um cassino a alguns dias…
— Obrigada, Jon, nunca me deram um presente tão bonito — Joanne sorriu. Parecia verdadeiramente feliz. Depois deu um beijo na bochecha dele, o deixando completamente vermelho.
Zek, em contrapartida, fez uma cara de quem queria morrer vendo aquela cena. Jon então, foi até ela, ainda corado, tirou outro pequeno embrulho do bolso, e entregou na mão da garota.
— Zek, esse é para você. Eu espero não te dar mais tanto trabalho — disse ele, coçando a cabeça, meio envergonhado.
Zekasta o olhou meio inexpressiva, mas por dentro dava para ver como estava se sentindo, graças as bochechas levemente coradas, e seus olhos cheios de lágrimas. A garota então abriu o presente. Era um colar do mesmo modelo de Joanne, mas prateado, e o cristal no pingente de Alizen, em vez de azul, era laranja.
— Achei que combinava com seus olhos… Quer dizer, quando usa seus poderes, acho a cor deles muito bonita. — disse o garoto, sem saber exatamente como reagir, ou o que dizer naquela situação. Zek colocou o colar rapidamente, e estava com um leve sorriso, para o espanto de todo mundo ali, que estava acostumado a Zekasta séria e inexpressiva.
Ela então tentou se levantar e imitar o que Joanne fez, mas parou no meio do caminho, olhando para Kadia, que parecia estar dizendo algo a ela mentalmente. Quando voltou a levantar na direção de Jon, se aproximou de seu rosto e beijou sua boca, em vez de sua bochecha. Quando se separaram, Jon virou um pimentão humano.
— Eu… A… — ele não sabia o que dizer, e Zek não parecia querer dizer nada, voltou a olhar com um sorriso para seu colar logo depois, com o rosto levemente corado.
Marko, Arian, Irene e Dorian começaram a rir sem parar, antes de sair do quarto. Joanne, no entanto, parecia um pouco incomodada, ou surpresa, não dava para ter certeza de qual dos dois. <E> estava meio corada olhando para os dois. Ela então puxou a camisa de Arian e apontou para os dois, e depois para seu pescoço.
— Eu adoraria <E>, mas fantasmas não podem usar colares — sussurrou ele, para a decepção da garota.
Logo depois, Irene trouxe uma pessoa toda enfaixada para o quarto em seus braços. Era Ane.
— A outra elfa morreu tentando proteger a menina com seu corpo. Mas parece que o tal de Atlas conseguiu salvar pelo menos essa a tempo — disse Joanne.
Ane estava enfaixada dos pés à cabeça, aparentemente seu corpo havia sido queimado gravemente, mas estava viva, o que importava muito mais para Arian do que sua aparência. Ela não conseguia falar, mas fechou os olhos, e depois os abriu, vagarosamente, como se dissesse que estava bem. Arian duvidava que fosse verdade, mas fazia parte da personalidade dela, assim como a de sua mãe, não querer preocupar os outros. Ele então começou a chorar. Não pôde ter um final totalmente feliz, não conseguiu salvar todos que queria, mas ao menos ficou longe do pior resultado possível. Ane viva era muito mais do que ele esperava, depois da decisão que tomou.
Depois disso, Arian, como se estivesse sentindo um grande alívio, voltou a dormir até o dia seguinte. Ele acertou um quarto para Ane, que ficaria aguardando um guardião de Distany vir buscá-la. Arian ofereceu o dinheiro do contrato a Siren, que estava com os ossos do corpo todos quebrados, em um dos quartos da guild. Foi encontrado quase morto, um dia atrás. O cavaleiro recusou o dinheiro, dizendo que não conseguiu cumprir o contrato de proteger a garota e, portanto, se sentiria ofendido em ganhar algo.
Kadia também foi falar com ele, explicando sua história com o homem que a ajudou, assim que chegou nesse mundo. Arian, meio chocado com a revelação, pediu desculpas, e pareceu realmente triste pela dor que causou a ela. Depois decidiu contar quem era a garota que estava tentando salvar, e como o desastre que destruiu metade da cidade aconteceu.
— Não tem um dia que eu não lamente as vidas que se perderam naquele dia por minha culpa, mas, para mim, ela era mais importante do que todas elas juntas.
— Eu… entendo… Não consigo concordar, ou aceitar completamente, mas ao menos agora, entendo melhor sua escolha.
— Então… Estamos bem?
— Não sei, ainda tenho que digerir essa coisa toda direito. Mas eu acho que vamos ficar. — disse Kadia, sorrindo de leve para ele.
No dia seguinte, eles partiram. Arian estava fazendo carinho na cabeça de seu White Astalon, enquanto Joanne colocava os mantimentos em uma nova carruagem que comprou.
— Quer mesmo fazer isso, Marko? Parece realmente perigoso, e você tem família… — perguntou Arian, para o homem a seu lado. O homem tinha voltado a sua forma normal no dia seguinte.
— Arian, eu sei que sou meio idiota as vezes, mas eu sou seu amigo, nunca se esqueça disso. Entrei nessa missão porque me importo com você, e não quero que morra, ao menos não antes de deixar pelo menos uns dois filhos para me chamarem de Tio Marko. — O guardião riu, e Marko continuou. — Então, enquanto quiser seguir esse grupo, pode contar comigo, com pagamento, ou não… Mas com pagamento é melhor.
Arian voltou a dar uma risada.
— Desculpe, Marko. E… obrigado.
O guardião então se fixou em Lara, que estava sentada dentro da diligência, com uma cara de tédio. Na frente dela, estava <E>, observando seu rosto, com uma expressão intrigada. Diferente de Marko, ela ainda não havia voltado ao normal, já que praticamente zerou a energia em seu corpo, o que cobrava um preço mais duradouro em comparação a Marko, que tinha apenas descido de uns 15%. Segundo Joanne, Lara tinha muito mais energia que uma pessoa normal, então demorava mais para recuperar tudo. Demoraria ainda uns 3 dias até sua energia voltar a um nível que a tirasse do seu pagamento.
Nada disso chamava tanta atenção de Arian, no entanto. O que mais o deixava perplexo, e obviamente a <E> também, é que, tirando a cor do cabelo e dos olhos, Lara era muito parecida com <E> naquela forma. Comparativamente, naquela idade, Arian achava <E> mais bonita, embora as duas fossem lindas. Veio então outro pensamento, se ele achava <E> mais bonita que Lara naquela idade, como ela seria mais velha? Lara era deslumbrante o bastante para chamar atenção se andasse sem capuz pelas ruas, se <E> fosse ainda mais bonita… O pensamento, que tirou um sorriso da sua cara, logo morreu, no entanto, já que <E> não tinha envelhecido nada desde que a conheceu.
Ele questionou Lara, mas ela disse não saber nada sobre uma garota parecida com ela, com cabelo branco e olhos vermelhos. Quando Arian quis perguntar sobre outras coisas, ela disse que já tinha dito pouco mais da metade do que sabia, contando com o que disse antes e durante a missão em Ark. O resto ficaria para quando chegassem em Sunkeep.
Depois disso, partiram pelo portão Norte de Amira, escoltados pelo líder da guarda, que parecia querer se livrar deles o mais rápido possível. Seguiram viagem calados, com Arian e Kadia na frente, e Dorian e Marko atrás, como sempre. Em determinado momento, Irene puxou assunto.
— Estava pensando… Somos um grupo bem acima da média, que tal criarmos um nome, como fazem nas guilds?
Arian não pareceu interessado, mas o resto do grupo rapidamente começou a dar ideias.
— Os servos de Dorian.
— Os cavaleiros de Kadorarizekjonrane.
— O harém do Marko.
— Certo, esqueçam, essa ideia foi péssima. — disse Joanne, enquanto o grupo todo dava risada das propostas, principalmente a de Kadia, que era basicamente uma tentativa louca de fundir os nomes de todo grupo. — Para um bando de gente que quase morreu faz pouco tempo, vocês estão alegres até demais.
— Nem todos quase morreram… Esse mago folgado não fez nada a luta inteira — reclamou Irene.
— Se eu não tivesse guardado energia para um momento crítico, não teria conseguido bloquear a bruxa de escapar com a Lara. Do modo que eu vejo, fui o único a usar o cérebro nesse grupo.
Todos começaram a olhar feio para ele nesse momento.
— Deixem isso para lá, ao menos sobrevivemos. Mas fiquem de olhos abertos, Victor deve estar furioso com a falha do seu grupo, e se não chegarmos rápido em Sunkeep, vai mandar coisa ainda pior para nos interceptar. Temos uma semana ou menos para chegar à Sunkeep antes que isso aconteça.
Apesar do que Joanne disse, Arian estava olhando feliz para o grupo, tinha realmente simpatizado com a maioria deles… tirando Dorian. Cada vez mais eles o lembravam de seus tempos de guild, fazendo missões com seus companheiros. E mesmo que tenha perdido algumas pessoas que queria salvar, todos os membros do grupo sobreviveram, o que já era mais do que ele poderia esperar. Quase começava a desejar internamente que aquela jornada durasse um pouco mais do que 1 semana.
Quem pensaria que seu desejo seria realizado. Mas, infelizmente, como quase tudo em sua vida, não aconteceu do modo que ele havia desejado.
Próximo: Capítulo 45 – Epílogo – 7 Vidas
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