As Crônicas de Arian 2 – Capítulo 6 – Encurralados
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Capítulo 6 – Encurralados
Uma voz feminina sussurrou baixinho para ele:
— Rápido! Ela não tem muito tempo…
Em seguida, um silêncio desagradável, seguido por um grito de dor apavorante.
— Jon, Jon, acorda, Jon!
O garoto arregalou os olhos. Já era dia, estava em um local desconhecido, e Joanne o balançava. Seu rosto era pura aflição.
— O que foi?
— A Zek sumiu.
Jon pulou da cama na hora, mas ao tentar ficar de pé sentiu uma dor alucinante na perna e sentou de novo.
— O quê? Como assim? Desapareceu do nada? — questionou ele, enquanto notava que o ferimento de ontem em sua perna não foi um sonho, e alguém o havia curado.
— Não estava no hotel quando acordei, e ela deixou a espada jogada no chão do seu quarto. Consegue imaginar ela saindo daqui sem a espada que os pais a deram? Temos que encontrá-la e sair dessa cidade o mais rápido possível. Pelo que disseram na recepção, os teleportadores sumiram da entrada.
Por um momento achou que ainda estivesse sonhando, mas após se beliscar várias vezes, teve certeza que não era o caso. O sumiço de Kadia o incomodou, mas isso era muito pior. Zek foi a primeira pessoa com quem fez amizade de verdade nesse mundo, e estavam quase sempre juntos desde então. Nunca pensou que se sentiria tão desesperado ao cogitar que ela podia ter sido levada, ou morta.
A voz… Achou que era coisa da sua cabeça no começo, mas claramente estava ligada aos ocorridos. Jon fechou os olhos e respirou fundo, tentando se acalmar. Entrar em panico só pioraria as coisas. Ele então abriu os olhos, com seu coração ainda acelerado devido ao nervosismo, e perguntou:
— E o Arian, e o Marko?
— Não tivemos notícia dos dois desde o incidente de ontem.
Jon estava preocupado. Seja lá o que estivesse liderando o ataque de ontem, parecia muito mais forte que os lacaios que atacaram primeiro. Tentou levantar novamente, mas a perna estava doendo muito, mesmo que nada comparado ao que sentiu na noite anterior.
— Não se preocupe, se tivesse visto em Amira o que aqueles dois conseguem fazer… Levariam metade dessa cidade abaixo antes de serem mortos, seria bem fácil notar. Marko pode nos farejar a grandes distâncias, consegue nos encontrar quando quiser.
— O que vamos fazer? — questionou, completamente perdido.
— Não tenho ideia. As regras da cidade dizem que não se responsabilizam por esse tipo de incidente, então é inútil ir procurar a guarda. Dorian também não aparece desde ontem, o que está começando a me fazer questionar se ele vale o que estamos o pagando, e não podemos contar com Marko, ou o Arian, no momento, então esperava que você pudesse me dar alguma direção… O que Arian te disse ontem, antes de eu te impedir de sair? — Joanne estava tentando falar com calma, mas seu nervosismo era notório pela sua respiração irregular e mão abrindo e fechando sem parar.
Jon pensou por um tempo nas opções. Precisavam de mais informações sobre esses ocorridos com mulheres desaparecendo, e só havia um local para conseguir.
— Temos que ir até a biblioteca central de Amit.
— Certo. Se preparem para sairmos então.
Sua perna ainda não estava boa o bastante para ele andar sozinho, então teve que se apoiar no ombro de Joanne para andar. Lara e Irene foram junto, a contragosto, Joanne não queria mais ninguém separado. No mesmo sistema do hotel anterior, só havia uma pessoa na recepção e a outra limpando quartos. A parte estranha é que a recepcionista desse hotel era quase idêntica a do outro, mas não tinha tempo para questionar o porquê no momento.
Como o local estava longe, já que mudaram de hotel, pegaram os cavalos da carruagem e foram até a biblioteca usando eles. No caminho, já perto da biblioteca central da cidade, viram a carruagem do lorde da cidade, Arx, que estava fiscalizando tudo e parando vez ou outra para falar com algumas pessoas, da mesma forma que 2 dias atrás, quando Jon foi na biblioteca pela primeira vez. Ao ver o grupo de Jon, o lorde parou a carruagem, colocou a cabeça para fora da janela, e falou com eles, pouco antes de chegarem na biblioteca:
— Vocês são o grupo que destruiu o hotel da Celene?
O grupo de Joanne, ainda montado, se virou para ele.
— O senhor quer dizer que “foi atacado no hotel da Celene”, não? — retrucou Irene.
O lorde desceu da carruagem e se aproximou. Para a idade que devia ter, de no mínimo uns 65 anos, parecia em boa forma fisicamente, nada da barriga protuberante que costumava ver nas pessoas ricas dessa idade. O cabelo, completamente grisalho, era bem curto e um pouco encaracolado. Usava uma camisa de botões, calça preta e bota de couro marrom. Eram claramente roupas caras, mas de aparência simples.
— Eu estava brincando, sei da situação. — respondeu o homem, dando uma risada.
— Nossa amiga, ela desapareceu nessa madrugada. Sabemos das regras da cidade, mas poderia nos ajudar a encontrá-la de alguma forma? Qualquer informação seria útil.
O homem ignorou Joanne e voltou seus olhos para Lara.
— Lara Moonsong…? Por que você está com a mesma aparência de 8 anos atrás, quando visitei Moonsong? Que eu saiba você era humana.
— Não é da sua conta. Vamos logo para a biblioteca, estão perdendo tempo com esse idiota. — disse a garota, de extremo mau humor.
— Tão desrespeitosa quanto o pai… Alexander, no entanto, é um Rei, pode me destratar e não tenho muito o que fazer. Já você, posso expulsar da minha cidade quando quiser. Então um pouco mais de respeito seria bom, princesa.
Lara o ignorou, e Arx então voltou sua atenção para Jon.
— E você é? Tenho a impressão de que o conheço de algum lugar.
— Jon, senhor, e creio que não. Acredite, nunca esqueço um rosto — disse ele, tentando parecer o mais calmo e composto que podia.
— Certeza? Qual era o nome do seu pai?
— Jon é um teleportado, a família dele não é desse mundo — informou Joanne.
— Ah… Entendo… Que sensação estranha…
— Senhor, ele é a sua cara quando tinha uns 17 anos, provavelmente o está ligando a suas pinturas quando mais novo que tem no castelo — disse o chofer que guiava a carruagem do lorde. O homem era tão elegante, usando um chapel preto e uma roupa social impecável, que acabava lembrando mais um lorde do que o homem com quem estavam falando no momento.
— Tem razão, Lian! Se ele falasse que é meu filho é bem capaz do povo mais velho da cidade acreditar… Na verdade, eu mesmo acreditaria se ele dissesse que era um bastardo que tive com uma das criadas — disse Arx, dando uma longa risada. — Bem, não desanime rapaz, seja lá de onde for que veio, esse mundo tem seus charmes também. O último teleportado que conheci só via o que esse mundo tinha de pior e acabou não durando muito.
— Na verdade, tirando a comida e falta de algumas outras coisas menores, não tenho muito do que reclamar.
— Que bom, boa sorte em sua busca então. Mas minha opinião honesta? Não vão encontrá-la, nenhuma das garotas que sumiram reapareceu com vida, infelizmente.
Jon aproveitou o assunto para questioná-lo com algo que estava na sua cabeça há tempos.
— Uma dúvida, existem casos de outras mulheres que não tem cabelo curto desaparecendo?
— Não que eu me lembre. Por quê?
— Temos outra amiga que desapareceu e tinha um cabelo bem longo — disse Joanne.
— Isso é fácil, ela provavelmente se meteu em alguma confusão pela cidade. Duvido muito que tenha relação com a maldição das mulheres de cabelo curto. Para mulheres de cabelo longo essa cidade é mais que segura.
— Fomos atacados por demônios ontem, todos nós, então…
— E estamos investigando de onde eles vieram, não se preocupem. Mas estavam junto a uma garota de cabelo curto, não? Quem disse que não foi ela que trouxe isso até vocês?
Todos o olharam de forma meio incrédula. Claramente não adiantava prosseguir com a conversa.
— Bem, lamento, mas não tem nada o que eu possa fazer. Passei anos tentando, e minha conclusão é de que perdi meu tempo para nada. Não pretendo repetir esse erro. Até mais, e se forem mesmo entrar nessa biblioteca, deem um oi para a Margaret, aquela louca não fala comigo há mais tempo do que consigo lembrar.
Depois de dizer isso, Arx voltou a carruagem e o cocheiro tocou os cavalos.
— Eu disse, perda de tempo… — comentou Lara, observando a carruagem seguir pela rua, enquanto Arx cumprimentava os cidadãos.
— Não vou negar, mas valeu a tentativa — Apesar de dizer isso, Joanne parecia frustrada com o desinteresse do homem no caso deles.
Desiludidos, entraram na biblioteca, que estava mais arrumada hoje que o normal. As três mesas de madeira não estavam mais empoeiradas, como da última vez que Jon visitou o local, e não haviam mais livros empilhados em tudo que é canto.
Jon só pode supor que o local raramente era visitado, e talvez sua presença dias atrás tenha animado a bibliotecária a organizar a bagunça. Margaret, por sinal, estava lá, com uma cara de tédio, até ver Jon, e vir correndo, lembrando uma tia carente que não vê o sobrinho faz tempo. Quando notou que ele estava acompanhado de várias mulheres, no entanto, seu sorriso rapidamente murchou.
— Em que posso ajudar? — disse com uma voz formal, se dirigindo ao grupo.
— Oi, Margaret. Vocês devem ter algum tipo de registro, ou até jornais, falando dos desaparecimentos na cidade ao longo dos anos, não? Ao menos na biblioteca da Cidade da Luz havia um desses com todo catálogo de jornais dos últimos 200 anos. A cidade aqui é menor, mas ainda assim não é incomum terem algo do tipo.
— Temos sim, é distribuído um jornal gratuitamente a cada 3 dias com notícias importantes para a população. Muitas pessoas curiosas já leram eles tentando desvendar o mistério por trás dos desaparecimentos. Espere um momento.
Dizendo isso, ela se retirou.
— E nós, o que fazemos? — perguntou Joanne.
— Vou fazer isso mais rápido sozinho. Enquanto isso, procurem livros com informações sobre a história da cidade. Qualquer coisa serve.
Pouco depois, a bibliotecária voltou com uma pilha gigantesca de papéis. Como era o padrão em cidade de médio e pequeno porte, ele tinha apenas uma página, o que facilitava verificar tudo rapidamente.
Jon começou a ler toda pilha a uma velocidade absurda. Parecia só estar folheando, mas absorvia toda a informação contida em cada folha. Quando começou a anoitecer, já tinha em sua cabeça todos os jornais impressos naquela cidade nos últimos 60 anos.
A informação era quase nula, principalmente nos últimos anos, escreviam no máximo o nome, descrição da vítima, e onde ocorreu o incidente.
O que acabou chamando sua atenção foi algo que não tinha relação com os desaparecimentos: os nomes dos cidadãos que os jornais citavam vez ou outra. Jon achou um nome que batia com um que havia lido em um documento da Cidade da Luz. Inicialmente pensou ser coincidência, mas quando outros nomes começaram a bater, a coisa toda ficou muito estranha.
De todos os nomes citados nos Jornais, mais de 1000 eram idênticos ao de criminosos procurados em todo o Sul. Lista Negra era como a chamavam, um livro atualizado anualmente, contendo apenas indivíduos que cometeram crimes graves e ainda não foram pegos. Jon sabia todos os nomes, e tantos estarem batendo não podia ser coincidência.
A seu lado, a bibliotecária o encarava com uma expressão que estava começando a dar medo. “É como se ela estivesse tentando me comer com os olhos”, pensou. Ao notar a expressão assustada de Jon, ela perguntou:
— Descobriu algo?
— Não se ofenda, mas… Essa cidade é algum tipo de prisão disfarçada de cidade ou algo assim?
A mulher deu uma risada esquizofrênica ao escutar a teoria de Jon, chamando a atenção do resto do grupo, que estava folheando vários livros em outra mesa da biblioteca, como Jon pediu.
— Está tudo bem — disse ele para as garotas.
— Desculpe — falou a bibliotecária.
— Poderia explicar? — questionou Jon.
— Não é uma coisa que escondemos, mas não espalhamos também… Se a pergunta era se temos vários criminosos morando na cidade, a resposta é sim. Depois da epidemia de uma doença 50 anos atrás ninguém queria vir morar aqui, então, como último recurso, foi permitido o perdão a diversos crimes anteriores de quem assinasse um documento, garantindo que ficaria na cidade até morrer, e evitaria causar problemas futuros, sob pena de morte.
Não havia mistério, era um perdão aos crimes para popular a cidade. Ainda assim, uma cidade altamente populada por bandidos ser tão pacífica era quase inacreditável.
— E todos obedecem mesmo esse contrato?
— Ah… Digamos que… Como posso dizer… Não temos escolha.
— Como assim?
A mulher se aproximou e sussurrou em seu ouvido.
— Existem coisas que é melhor não saber, Jon — ao terminar a frase, a mulher mordeu de leve sua orelha, o que fez Jon puxar o corpo para trás, surpreso.
Foi quando lhe veio um pensamento: “Espera… ‘Temos’, ela é um dos criminosos abrigados aqui?”. Jon tentou ao máximo não expressar em sua face o medo que estava sentindo no momento. A mulher então deu um largo sorriso e falou calmamente:
— Já que está tão interessado na história da cidade e seus habitantes, Jon, não gostaria que eu contasse ela a você em detalhes? Moro no segundo andar da biblioteca, podemos ir lá tomar um chá e eu vou te contando o que sei.
Nesse momento, o ar a sua volta começou a ficar mais frio, e Jon sentiu um leve calafrio. “Saiam daqui, rápido!”. A voz que sussurrou no sonho dele, de novo. Foi quando Jon notou que a mulher havia levantado e agora estava atrás dele, massageando seus ombros. A sensação era boa, mas a intimidade era cada vez mais perturbadora. Joanne, Lara e Irene estavam olhando outros livros por conta e nem repararam.
— Ah, então, já está escurecendo, acho que é hora de irmos, não é, Joanne? — disse ele, quase que gritando para as garotas na outra mesa.
— Ah… Sim, é mesmo — confirmou Joanne, olhando pela janela.
— Nossa, o tempo passou muito rápido hoje — disse a bibliotecária, também olhando pela janela. — Então, conseguiu encontrar o que queria pelo menos?
— Ainda não, mas estou no caminho… — disse ele, se levantando. O comportamento da mulher mudou completamente. Foi então que, ao reparar mais no rosto dela, e em uma protuberante pinta no pescoço, teve a sensação de já tê-la visto em algum lugar. Isso era, no entanto, impossível, já que ele nunca esquecia um rosto, ou qualquer coisa que visse, então acabou deixando para lá.
No caminho de volta, Joanne e Irene foram resumindo as informações que conseguiram da cidade nos livros que acharam.
— Espera, não foi a mulher do lorde que morreu primeiro da doença?
— Não, tenho certeza, no livro dizia que foi a filha.
— Estranho… A dona do hotel deve ter se confundido.
Várias versões da mesma história não era incomum, então ele acabou deixando o assunto de lado. A parte mais interessante era a explicação para a torre mais alta do castelo, com mais de 50 andares. De acordo com Joanne, o túmulo da filha e mulher de Lorde Arx ficavam lá. O tamanho gigantesco da estrutura era uma forma de pagar tributo, e fazer com que o povo nunca se esquecesse delas. Magos foram contratados para proteger o local com diversos feitiços, e um número absurdo de pessoas foi necessária para completar o projeto. Arx gastou boa parte de sua fortuna naquela única torre.
Enquanto pensava sobre isso, ouviram um tumulto vindo de um bar próximo. Várias pessoas estavam saindo correndo do local, que estava a uns 50 metros deles.
— Melhor não chamarmos atenção, parece que toda cidade já sabe do incidente de ontem. Vamos virar à esquerda na encruzilhada.
Lara, no entanto, ignorou a ordem, e em vez de virar na encruzilhada pela qual estavam passando, continuou seguindo para o bar.
— Que droga, Lara, o que está fazendo?
— Isso não serve apenas para bloquear possessões.
Ela levantou seu braço e mostrou o bracelete que a deusa Lunar lhe deu. Estava com um leve brilho dourado.
— Arian está por aqui.
— O que fazemos? — questionou Irene.
— Sigam ela, não podemos nos separar.
Quando estavam a cerca de 30 metros do bar, parte da frente do local voou pelos ares, destruída pelos corpos de 2 homens muito grandes, que caíram inconscientes no meio da rua. Em seguida, Marko e Arian saíram lá de dentro, com vários homens atrás deles. Os dois pararam no meio da rua e foram rapidamente cercados. Nesse momento, uma chuva leve começou a cair, escurecendo as pedras que cobriam o chão da rua. Nas construções a volta do local, variando de 4 a 8 andares, vários curiosos estavam abrindo as janelas para ver o que estava acontecendo.
Os adversários somavam mais de 20 homens, agora formando um círculo a volta de Marko e Arian. Todos partiram para o ataque ao mesmo tempo, enquanto xingavam os dois de tudo que era nome possível. Arian, com sua capa e armadura levemente alteradas em coloração e parecendo bem envelhecidas, de forma a evitar ser reconhecido, parecia cansado. Ainda assim, estava se defendendo com extrema facilidade e violência. Alguns ele apenas socava, arremessava ou chutava, mas outros tinham seus braços e pernas quebradas. Ele parecia estar evitando usar as espadas.
Marko estava fazendo a mesma coisa, sempre perto e virado de costas para Arian, de forma a nenhum dos dois poder ser pego por trás. Ele não matava ninguém, mas aquelas pessoas não iriam andar por muito tempo. Havia ossos expostos e sangue se espalhando pela rua toda. Em um descuido, Arian se afastou de Marko, e dois homens agarraram o guardião pelas costas, enquanto outro veio pela frente socando seu rosto.
Ele ficou levemente atordoado, mas em seguida deu impulso com as pernas e acertou um chute que fez o homem voar para trás, não conseguindo mais se levantar. Ao mesmo tempo, ele foi jogado para trás, junto com os homens que o seguravam. Levantou rapidamente, pisou com força na cabeça de um deles, quebrando todos os ossos do crânio e, em seguida usou a mão para pressionar a cabeça do outro contra o chão até ela estourar.
Jon estava horrorizado, nunca pensou que batalhas reais podiam ser tão brutais. Várias pessoas gritavam por ajuda ou se arrastavam no chão, enquanto outros não sabiam se ajudavam os feridos ou atacavam Marko e Arian. A chuva era leve demais para lavar o sangue no chão da rua, e em vez disso só estava o espalhando ainda mais. No momento, todo local a volta de Arian e Marko era uma enorme possa de sangue.
— Cuidado! — gritou Marko para seu amigo.
Um homem vinha pelas costas do guardião com uma espada. Arian, no entanto, foi mais rápido, e cortou o braço do adversário com uma das espadas médias que levava nas costas, arrancando sua cabeça com a outra espada logo em seguida. Mais dois vinham correndo na direção dele. Ele arremessou ambas as espadas no peito de cada um, que caíram para trás agonizando. Foi quando um homem enorme, um pouco maior que Marko, tentou agarrar o guardião com uma das mãos. Arian saltou para trás, agarrou a mão do homem, e a virou ao contrário.
O homem deu um urro de dor, e então tentou acertar um soco com a outra mão. Arian novamente desviou, pulando para trás. Depois, antes que o homem pudesse se recompor, saltou para frente e acertou um soco em cheio do rosto dele, o levando ao chão com um grande estrondo, devido ao peso do homem. Nesse momento, a luta parou por um instante, enquanto todos contemplavam a cena, alguns incrédulos, outros assustados. Seja quem for o grandão, agora desmaiado no meio da rua, devia ser considerado alguém forte entre eles.
— Digam logo o que eu quero saber! — gritou Arian.
— Desgraçado.
Vários homens correram em sua direção, e a batalha recomeçou. Arian desviu do soco e contra-atacou com um chute, que mandou o inimigo voando na direção do bar. Ele caiu em cima de uma garota aparentando uns 9 anos, que estava saindo às pressas com a mãe, o irmão e o pai, mas Arian estava ocupado demais enfrentando uma horda de adversários para ver isso.
O homem, que estava junto da mulher, ficou furioso ao ver que a cabeça da filha, derrubada pelo corpo que Arian chutou, estava sangrando, e ela não parecia muito bem. Sua mulher tentou detê-lo, mas ele a jogou para o lado, tirou uma faca da cintura, e correu contra Arian. O guardião nem pensou, parecia estar agindo por puro instinto. Bloqueou a faca com seu bracelete, agarrou o braço do homem, e fez ele mesmo enfiar o objeto em sua garganta.
O homem caiu ajoelhado, agonizando, acompanhado do grito de desespero da sua mulher, que correu até ele. Novamente, a luta havia parado, enquanto o pouco que restou dos homens em pé parecia em dúvida se continuavam a atacá-los ou fugiam.
— Eu vou repetir pela última vez. Me digam onde está a mulher que descrevi. Vocês sabem de algo, eu tenho certeza. Falem, ou eu juro que mato todos vocês! — disse o guardião, furioso.
Todos ficaram em silêncio, o encarando, alguns em dúvida, alguns em desespero. Um garoto, no entanto, se levantou, meio tonto, com uma faca, e correu até ele. Arian nem sequer se mexeu. A faca parou na cota de malha que usava debaixo da camisa. A força do garoto não era o bastante para sequer machucá-lo com o impacto.
— Quer mesmo fazer isso? — perguntou ele, encarando o garoto.
— Meu pai, seu desgraçado! Por quê? Por quê?!— gritou o menino, soluçando, enquanto tentava acertar Arian com a faca novamente, sem sucesso.
— Ele tentou me matar, o que esperava que eu fizesse?
O garoto o ignorou, e tentou acertá-lo de novo com a faca, que novamente não passou pela cota de malha. Na quarta tentativa, Arian agarrou o braço do garoto e tirou a faca de suas mãos.
— Chega!
Em seguida o agarrou pelo pescoço e o levantou no ar.
— Acha que me matar vai resolver seu problema? Acha que não tem nada mais a perder?
Jon conseguia reconhecer aquela atitude e tom com facilidade. Também explicava a frieza acima do normal no combate. Era a segunda personalidade do Arian, não tinha mais dúvidas quanto a isso.
O garoto chorava, enquanto repetia “eu vou te matar, eu vou te matar, eu vou te matar!”. Arian então o virou de costas, ainda segurando o pescoço, o obrigando a olhar para o pai, que agora não mais respirava. Sua mãe olhava para Arian aterrorizada.
— Olhe para sua mãe e sua irmã. Seu pai não está mais aqui para protegê-las. Se você morrer, elas ficam sozinhas, e provavelmente terão que se vender para sobreviver. Quer mesmo isso?
Pela primeira vez, as palavras dele atingiram o garoto, que parou de gritar, e agora só respirava de forma ofegante. Ao notar isso, Arian o soltou, e ele caiu de joelhos, tossindo.
— Cresça, deixe a vida da sua família garantida, e aí sim, esteja á vontade para tentar me matar. — Arian então ficou com um olhar triste e contemplativo. — Mas acredite, a vingança não vai trazer seu pai de volta, ou deixar essa lembrança dele morrendo sem você poder fazer nada menos miserável. Aprenda a aceitar isso, e siga com a sua vida, é o melhor que pode fazer.
Jon já havia notado essa particularidade há algum tempo, mas quanto mais observava, mais Arian parecia o vilão de uma história para crianças, do que o herói dos contos que lia sobre ele. Só podia pensar que as histórias sobre Arian deviam estar bastante distorcidas. Já a primeira história a ficar conhecida sobre ele, e provavelmente uma das mais negativas, parecia mais realista agora. Mesmo assim, teve a estranha sensação de que Arian estava falando consigo mesmo, já que nem sequer estava olhando para o garoto, mas sim além dele.
Vendo que a situação tinha se acalmado um pouco, Joanne gritou:
— O que vocês estão fazendo?
Marko e Arian se viraram para ela, mas antes que pudessem falar algo, vários homens a cavalo vestidos de preto chegaram ao local e cercaram os dois. Era a guarda da cidade.
Os feridos do bar que conseguiam se levantar começaram a gritar o que os dois fizeram, e os guardas nem tiveram dúvida, avançando sobre eles com espadas em punho. Antes de começar uma nova luta, no entanto, Marko e Arian levantaram as mãos.
— Nos rendemos — disseram os dois.
Ambos pareciam cansados, mas não incapazes de se defender. Então Jon só pode olhar para aquilo sem entender nada. Ao menos até reparar no rosto dos dois, que estavam olhando para ele.
Lara retirou sua espada de gelo das costas e ameaçou avançar, mas antes disso Jon a segurou, o que logo depois se arrependeu de ter feito, já que resultou em Lara colocando sua espada a menos de um dedo de seu pescoço.
— Lara, se acalme, e olhe para o rosto do Arian com atenção.
A garota ficou confusa com o que Jon falou, mas obedeceu e tentou prestar mais atenção em Arian. Logo depois, relaxou seu corpo e abaixou a espada. A seguir, o comandante dos guardas falou.
— Ambos estão condenados à morte pelo assassinato sem motivo de nobres e cidadãos comuns da cidade. A execução será amanhã à noite, na praça principal.
Joanne e Jon arregalaram os olhos, enquanto Lara pressionava o cabo de sua espada com força e respirava fundo, claramente com raiva.
Enquanto Arian e Marko eram amarrados com correntes e puxados por guardas montados a cavalo, Jon só conseguia pensar como eles estavam ficando mais e mais encurralados a cada dia que passavam naquela maldita cidade. Foi então que um folheto no chão chamou sua atenção. Era só uma imagem mal desenhada de um senhor de idade, fazendo propaganda de uma barbearia, mas para ele, teve um significado muito maior. Jon finalmente entendeu por que a bibliotecária lhe parecia familiar.
— Por Alizen! Como ela…? Isso é impossível!
Próximo: Capítulo 7 – Tudo ou nada
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Ilustrações de base da cidade: