As Crônicas de Arian 2 – Capítulo 10 – O diário de Arx
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Capítulo 10 – O Diário de Arx
A única fonte de iluminação era a luz da lua, que sumia e reaparecia constantemente graças as nuvens negras encobrindo boa parte do céu.
Arian havia acabado de se agarrar em algumas junções entre as pedras, quando a onda gigante se chocou contra a parede de pedra que eles estavam escalando. Depois do choque a água subiu rapidamente pelo paredão. Temendo que ela não tivesse força o bastante para se segurar, Arian puxou Lara de suas costas para frente do corpo, colocou seu braço esquerdo a volta dela e se espremeu contra as pedras, torcendo para que seus pés e a mãos se mantivessem firmes nos pequenos buracos em que estavam se apoiando. Havia um musgo escorregadio em cima das pedras, o que dificultava qualquer sensação se firmeza.
A parte curiosa é que Arian havia encontrado algo que Lara tinha medo, porque quando a água chegou neles, os olhos dela eram de puro terror conforme a espuma branca cobria o corpo dos dois. Arian prendeu a respiração e seus corpos foram empurrados para cima pela água. Nervoso, ele pressionou o local em que seus pés se apoiavam com tanta força que a pedra cedeu. Não soube por quanto tempo ficou submerso, mas com a respiração presa parecia uma eternidade. Lara estava se contorcendo nos braços dele, parecia estar sufocando. “Ela não prendeu a respiração?”, pensou.
Quando a água finalmente desceu a garota colocou muita água para fora até conseguir voltar a respirar direito.
— Por que não prendeu a respiração?
Lara ainda estava tossindo enquanto tentava formular uma resposta.
Arian não pode esperar ela se recuperar, só a passou para suas costas de novo dizendo para ela se segurar com força e começou a escalar o paredão de pedra o mais rápido que conseguia, antes que outra onda gigante os pegassem. Marko e Jon já estavam bem mais acima. Marko não escalava, ele se arremessava de 5 em 5 metros e perfurava a rocha com os dedos nus. Por mais que fosse mais forte que um humano normal, aquilo estava completamente fora do que Arian podia fazer, então só restava a ele escalar normalmente, ainda mais naquela parte sem muitos lugares para se apoiar.
— Desculpe… Eu me desesperei… Odeio água… Quer dizer, não água, ficar submersa nela… Tentei em um lago quando era mais jovem e quase me afoguei. — Lara ainda respirava de forma ofegante nas costas de Arian.
— Medo de água? — falou Arian consigo mesmo, não conseguindo conter uma leve risada. Ele pensou que <E> também estaria achando graça, mas em vez disso estava com uma cara pensativa olhando para Lara, como se estivesse lembrando de algo.
— Não é medo de água, é de ficar submersa nela! — O tom de Lara parecia meio envergonhado, algo que ele nunca tinha visto até ali. A aparência meio infantil dava um ar ainda mais engraçado para a coisa toda.
Arian olhou para cima, Marko e Jon estavam quase no topo da montanha. Ele, no entanto, ainda estava longe.
— Certo… Você já não devia ter voltado a forma adulta? — perguntou Arian, tentando distrair Lara do frio que devia estar sentindo com seu corpo encharcado pela água do mar. Ela estava tremendo sem parar em suas costas, e por mais que calor humano e a capa de Arian ser a prova de água ajudassem, ela logo sofreria hipotermia se não se esquentasse. Jon parecia estar em uma situação ainda pior, por isso Marko subiu rapidamente para levá-lo para um local seco em vez de acompanhar a velocidade de Arian.
— Culpe o Jon por isso, se não tivesse salvo a bunda dele já estaria de volta ao meu tamanho normal, nunca troquei de forma tantas vezes em tão pouco tempo, é horrível.
— Dói? — questionou, procurando o próximo local para apoiar a mão e continuar subindo.
— Muito, principalmente os ossos crescendo e diminuindo.
— Como faz com as roupas?
— Esse vestido estica um pouco, tenho ele exatamente para essas ocasiões, já que nunca sei ao certo quando vou voltar ao normal. Mas fica apertado mesmo assim, quando volto a forma adulta, até por isso… — A voz dela ficou claramente provocativa nessa parte — Não uso roupa íntima nessa forma…
— Eu não precisava saber da última parte… — Arian estava meio sem jeito com a cara de pau de Lara. Mas pelo lado bom ela tinha parado de tremer de frio com a distração da conversa.
Lara então se espremeu contra seu corpo e sussurrou baixinho em seu ouvido.
— Excitado?
Arian ignorou a pergunta, embora a figura da garota na forma adulta espremida naquele vestido e sem nada por baixo tenha o distraído por um momento. Mais ainda, ele imaginou o quão bizarro seria se ela tivesse que lutar se mexendo ou saltando.
— Quando você voltar a forma adulta a gente conversa…
— De novo isso… O que importa é minha idade, o corpo é irrelevante.
— Você diz isso, mas não me aguentaria nesse corpinho… — disse Marko, surgindo ao lado deles com um sorriso safado.
— O Jon está bem? — perguntou Arian.
— Sim, deixei ele em um local coberto no topo e… Por que esse treco está brilhando? — Marko estava intrigado com o bracelete que Lunar havia dado a Lara. As inscrições mágicas nele estavam emitindo um forte brilho azul.
— Eu estava tentando drenar um pouco de energia dele para acelerar o fim do meu pagamento. Passar energia por toque demora muito, mas seria melhor que nada, e aí do nada o bracelete começou a brilhar e realizar a transferência sozinho e bem mais rápido. Deve achar que eu estou sem energia e como o Arian tem de sobra… Está sentindo algo, Arian? Cansado, ou algo assim?
— Não…
Lara fechou os olhos e o abraçou com mais força, mas diferente de antes, agora parecia estar se concentrando.
— Você está com sua energia espiritual praticamente completa, e esse treco não está drenando pouco… Como sua alma produz energia tão rápido?
— Não faço ideia, mas sempre me falaram que saio dos meus pagamentos bem mais rápido que o normal.
— Bem, vou deixar esse negócio trabalhando então, se mantiver assim vou estar de volta ao meu tamanho normal em pouco tempo.
— Ótimo, agora ela está tentando te copiar… — Arian estava olhando para o lado, onde <E> tentava replicar o vestido molhado de Lara, sem sucesso, afinal, ela não podia se molhar, só copiar a aparência do vestido colado a sua pele.
— Como é? — perguntou Lara, não entendendo o que ele disse.
— Deixa para lá. A partir daqui fica mais fácil de escalar. Se segura, vou acelerar.
Dizendo isso, Arian começo a saltar de ponto em ponto até chegar perto do topo, onde ficava a entrada da caverna que Jon apontou anteriormente. Lara usou magia para aquecer todos eles e as roupas secarem e então seguiram pela caverna, que dava para uma escada. Eles subiram rapidamente, Lara ainda nas costas de Arian.
A caverna dava para um dos cantos do pátio do castelo. Havia uma enorme pedra cobrindo a entrada, mas foi bem fácil para Marko movê-la. Eles estavam nos fundos do pátio, atrás do castelo. Haviam duas entradas, ou mais precisamente túneis, que pareciam conectar aquela parte de trás a frente do pátio, onde ficava a entrada do castelo.
Atrás deles havia apenas o mar e as ondas batendo na montanha repetidamente. Na frente deles as costas do castelo, bastante desbotado, as cores variavam entre negro e cinza com algumas partes destruídas pelo vento e corrosão da água do mar. O dono claramente não cuidava da construção. Em sua parte mais alta devia ter no máximo 50 metros. Depois do castelo vinha o pátio da frente, onde estava a torre colossal de 400 metros de altura que podia ser vista a uma boa distância de Amit.
— E agora, Jon? — perguntou Marko.
— Entramos na torre, escolhemos as sequências de portais corretos, e vamos para o topo.
— Como assim?
— Segundo os planos de construção tem 10 portais por andar. Eles te mandam apenas a curtas distâncias. Se pegar o portal correto você pula 50 andares. Pegando 2 corretos você chega ao topo, é bem simples.
— E se errar? — questionou Marko.
— Vai parar em uma sala amaldiçoada, mas não especifica aqui qual a maldição. Como a especialidade da Marin é drenar energia, deve ser algo relacionado a isso.
— Tomara que você acerte o portal então…
— Vamos logo! Quanto mais o tempo passa menor a chance de encontrarmos alguém vivo — disse Arian.
— Temos um outro problema… — Marko parecia estar concentrado em alguma coisa. — Tem vários guardas no pátio da frente pelo que estou escutando. O vento e barulho do mar está atrapalhando um pouco, mas devem ter pelo menos uns 10.
— Damos conta — Lara parecia despreocupada.
— É, mas e se eles chamarem aquelas coisas que te atacaram no hotel? Ou pior, aquele demônio que estava comandando-os… Também podem usar quem desejamos salvar de refém — argumentou o guardião, pensando nas possibilidades.
— Que tal parar de pensar nos problemas e dar soluções? — reclamou Marko. — Os portões que ligam ao pátio da frente estão fechados, posso abri-los a força, mas faria muito barulho. Acho melhor tentarmos ir por dentro do castelo, não tem ninguém lá dentro pelo que posso escutar.
— Certo, vamos por lá então. — Arian se dirigiu a janela mais próxima deles e observou o local por dentro. Dava para ver muito pouco pela janela empoeirada.
Marko forçou a janela de madeira até abrir. Fez devagar para não gerar muito barulho, mas o próprio barulho do mar revolto já devia ser o bastante para encobrir qualquer ruído que eles fizessem. Todos entraram. Era uma sala muito grande cheia de quadros e uma enorme mesa retangular no centro. O chão, as paredes, os móveis, tudo estava lotado de poeira.
— Que cheiro horrível — reclamou Lara enquanto colocava a mão em cima do nariz.
— É mofo, parece que ninguém vem aqui há anos. — Arian estava olhando o local com atenção, ele e Marko podiam ver bem no escuro.
— Não estou vendo nada. Lara, ajuda aí… E por que ainda estava nas costas do Arian?
Lara fez uma cara de poucos amigos para Jon.
— Estou recuperando minha energia, essa transferência automática do bracelete só parece funcionar se estivermos muito próximos.
Lara tirou um dos braços do pescoço de Arian, se concentrou e uma forte luz saiu da palma de sua mão.
— Reduz isso! Se a luz chegar em um dos cômodos da frente vão nos descobrir.
— Você anda ficando bem folgado ultimamente, rato de livros…
Em seguida Lara reduziu a luminosidade que estava emanando de sua mão e perguntou:
— Certo, para onde?
— Não faço ideia, eu vi as plantas da torre, não do castelo. Mas eles costumam ter divisões similares nos primeiros andares, não deve ser difícil chegar na parte da frente. Na verdade, o ideal é subir uns 2 a 3 andares para ter uma noção de onde estão os guardas da parte da frente do pátio…
Jon parou sua frase no meio quando o chão começou a ranger com mais força.
— Que barulho é esse? Pensei que não tivesse ninguém aqui… — sussurrou o garoto.
— É um fantasma? — Jon parecia bastante assustado.
— Não tinha dito que o castelo estava vazio por dentro? — questionou Arian.
— Sim, mas… Estou mais bêbado que o normal, me entupi do vinho do comandante da guarda antes de virmos para cá, e o barulho do mar está me atrapalhando. Sendo honesto, eu mesmo não confiaria na minha audição, ou olfato no momento.
— Podia ter dito isso antes de entrarmos aqui! — sussurrou Lara, nervosa.
Arian fez sinal para Lara parar com sua magia de luz e então ele e Marko foram cada um para um dos lados da única porta do aposento. Lara tinha tirado sua espada e foi para o lado de Arian. Foi então que o barulho parou e a maçaneta da porta começou a girar lentamente. Arian estava segurando a respiração, quando a porta subitamente foi escancarada e todos no quarto foram atirados contra as paredes contrárias de onde estavam.
Uma fumaça negra tomou o quarto em um instante e todos só conseguiam observar apreensivos os olhos vermelhos brilhando no meio dela. A criatura encoberta na fumaça deu a impressão de que iria avançar sobre Lara, mas então viu <E>, que se colocou na frente da sacerdotisa e encarou a criatura com frieza. Depois disso o ser rapidamente virou de costas e desapareceu.
— O que em nome de Alizen era aquilo? — perguntou Jon, após a fumaça negra sumir do quarto.
— Um fantasma de alto nível, e acho que conheço ele… — respondeu Arian, apreensivo. — Mas acho que não vai mais nos incomodar. Vamos logo, estamos desperdiçando tempo.
Eles seguiram pelo corredor onde a criatura sumiu, tentando se guiar pelo castelo com a ajuda da luz de Lara. Após algum tempo, Jon admitiu que estavam perdidos:
— Certo, o dono é excêntrico, isso não bate em nada com a distribuição de cômodos dos outros castelos do Sul.
— Que tal seguirmos a sua amiga? — sugeriu Arian, apontando para a fantasma ao lado de Jon.
— Eim?
Jon olhou para a garota de vestido preto que estava perto deles. Já havia se acostumado com ela ali então estava a ignorando faz algum tempo.
— Não custa tentar… — Ele se virou para a garota e perguntou da forma mais gentil que conseguiu — Precisamos ir para o terceiro andar, algo que dê para a parte da frente do castelo. Pode nos ajudar?
A garota fez um positivo com a cabeça.
— Não é que funcionou… Como ela sabe andar por aqui? — questionou o garoto.
— Para alguém que nunca esquece nada sua capacidade de atenção é péssima. — Arian estava apontando para um quadro enorme ao lado deles.
Jon estava encarando tudo como arte comum de uma mansão e não deu atenção a nenhum dos quadros até ali, mesmo porque estavam bastante empoeirados. Mas de fato, a garota no quadro ao lado deles era muito parecida com a fantasma. No quadro haviam mais duas pessoas, uma mulher de uns vinte tantos anos muito semelhante a garota e um homem com um largo sorriso. Era Arx, só que bem mais novo.
— Jon, ele era a sua cara — disse Marko.
— Talvez explique o apego da garota a ele, quer dizer, só assim para alguém se interessar por ele… Quer dizer, tirando a Zek, mas ela sempre foi estranha, e gente estranha se atrai…
— Sabia disso há quanto tempo? — questionou ele, incrédulo em ser o único a nunca ter reparado até a celestial jogar isso na cara dele em Amira.
— Desde que entrei na academia. Ela te seguia o tempo inteiro, ficava te olhando com um leve sorriso idiota na cara a todo momento, e ainda se transferiu para o esquadrão de Joanne logo depois de você ir para lá. Que tipo de idiota não notaria?
Jon não respondeu. Dentre as várias vezes que Lara foi maldosa com ele, essa foi a que mais doeu, porque era a pura verdade.
— Estou quase com inveja, agora sou o único do grupo sem uma fantasma obcecada por mim.
— Você já tem mulheres o bastante espalhadas pelo Sul inteiro, Marko.
— Mulheres nunca são o bastante, Arian, 3 anos comigo e parece que não aprendeu nada.
— Não sei porque respondi… Estou perdendo meu tempo… Vamos seguir logo a fantasma do Jon.
Eles foram atrás da garota, que os guiou para um quarto do terceiro andar. Jon se aproximou da janela e falou decepcionado:
— Isso dá para a parte de trás, não a da frente. Queremos ir para a parte da frente, disse ele.
A garota então foi até um armário e apontou para ele.
— Espero que tenha uma passagem secreta das boas aí dentro que dê para aquela torre. — disse Marko, aparentemente entediado com o vai e vem sem resultado.
Jon abriu o armário, mas não havia passagem, só um bando de livros. Na verdade, cadernos velhos empilhados. A garota apontou para um deles em específico, que Jon rapidamente pegou. Era vermelho, de capa dura, mas não tinha título.
— O que tem aí? — questionou Lara, ainda pendurada nas costas de Arian.
— Parece um… diário? — afirmou Jon, examinando o conteúdo.
— Por que ela quer que leiamos um diário? — Marko pegou um dos outros cadernos para dar uma olhada.
— É o que estou tentando descobrir.
Jon folheou rapidamente o caderno, até chegar em uma página que a fantasma de preto apontou seu dedo. Ele então começou a ler para os outros na sala, que pareciam bastante curiosos com o que tinha ali:
“Como todo dia 38 do início do inverno, comemoramos o aniversário de Alice, minha amada filha fez 10 anos e está cada vez mais bonita. Hoje fiquei o dia todo planejando uma torre com ela. Ela adora lugares altos e sempre me disse que seu sonho é morar em uma torre gigante, a maior em todo Sul, de onde possa ver até mesmo Amira, ou a fronteira com o Norte. Tentamos fazer um esboço de como seria. Levaria anos para ficar pronta, mas um dia quero construir a torre dela, até porque, é um bom incentivo para ela querer morar aqui com o marido, ou quem sabe me visitar bastante para usar a torre… Certo, minha filha tem 10 anos e já estou pensando nisso… Tenho que tomar cuidado se não vou ficar tão idiota quanto meu pai era com minha irmã.”
“Amo minha mulher, mas Eunise está começando a me assustar. Vem agindo de forma estranha desde que nossa filha, Alice, fez 10 anos. Hoje a peguei olhando para ela de maneira um tanto… Acho que assustadora é a melhor forma de descrever. Parece ocorrer quando brinco com ela, ou a beijo. Talvez esteja com ciúmes, vou tentar dar mais atenção a ela”.
“Eunise continua com um ciúme de Alice que não consigo compreender. Ando sem tempo por causa de uma crise que começou nas redondezas devido a uma doença misteriosa. Ainda assim, venho tentando dar mais atenção a ela, mas não parece ter adiantado. Pelo que testei ela só fica feliz quando eu ignoro nossa filha e volto toda minha atenção a ela, o que não posso e nem quero fazer.”
“Achei que era coincidência, mas uma praga realmente parece estar se espalhando por essa área, espero que os sacerdotes que chamei possam ajudar. Eunise parece finalmente ter parado de olhar para nossa filha de forma perturbadora. Ela está estranhamente quieta nesses últimos dias.”
“Minha filha tentou ajudar um dos doentes hoje, e até chorou pela morte dele pouco depois. Ficou furiosa por eu não a deixar chegar muito perto. Não disse isso, mas a atitude me fez ter um enorme orgulho dela. Estava com medo dela puxar a frieza da mãe, mas não parece ter sido o caso. Só me preocupa um pouco a rouquidão da voz dela nos últimos dias.”
“A praga parece estar se alastrando, não sei mais o que fazer. Já pedi auxílio ao Rei do Sul e mais sacerdotes da Torre de Luz, mas não responderam ainda. Todo dia tenho que ver ou saber que pessoas que conheci por anos deixaram de existir, e não existe nada que eu possa fazer para mudar isso. Alizen, por favor, nos ajude!”
“Alice não está conseguindo mais falar direito, achei que iria passar com o tempo, mas só vem piorando. Chamei um sacerdote para vê-la.”
“O sacerdote disse que não havia como a curar completamente. Ela vai viver, mas nunca mais vai poder falar direito, e mesmo quando tentar vai sentir uma dor enorme para cada frase que disser. Como eu digo isso para ela? Estou procurando as palavras, mas elas não vêm. O pior é que ele disse que esse tipo de coisa só acontece por envenenamento, não é uma doença.”
“Como eu temia, era Eunise envenenando a própria filha. Fiquei a vigiando o dia todo, e a peguei colocando um pó estranho na bebida de Alice. Tomei dela e comprovei com um sacerdote que se tratava de veneno, aparentemente se dado em pequenas doses mata a pessoa lentamente, começando por destruir as cordas vocais e enfraquecer o corpo. Como ela pode fazer isso com a própria filha? A garota com quem me casei e amava tanto fez isso com seu próprio sangue! O que eu faço? Me sinto completamente perdido…”
“Coloquei um guarda para acompanhar Eunise o dia todo e a impedir de chegar perto de Alice, mas como eu explico a minha filha porque a própria mãe não pode mais chegar perto dela? Não quero dizer que foi a mãe a culpada por ela quase perder a fala, seria doloroso demais…”
“Os sacerdotes da Torre de Luz nos abandonaram com a desculpa de precisar pesquisar uma cura ou prevenção da doença. Falaram que voltam em breve, mas enquanto isso a praga chegou na cidade. Acho que estamos condenados… O correto era eu sair da cidade, mas abandonar meu povo em um momento como essa parece tão errado… Alice também não quer sair se eu não sair e não tenho coragem de obrigá-la…”
“Quase um quinto da cidade está com a doença, o que eu faço? Eu sou o lorde deles, devia os ajudar, ou ao menos dar esperança nessas horas, mas tudo que recebo são notícias ruins. Um boato idiota de que a doença só pega em pessoas com cabelo curto parece estar começando a se espalhar…”
“Eu dormi com outra mulher hoje, ela se chama Marin. Deve ser louca para vir para uma cidade com uma epidemia, mas admito que sou grato por isso, conversar com ela foi uma das melhores coisas que fiz nos últimos dias. Ela era linda, com belos cabelos castanhos que ficam levemente dourados quando iluminados com a luz das velas. A encontrei no bar do Maniras, ela estava em busca de um emprego como garçonete. Acabei oferecendo a vaga na biblioteca da cidade, e ela aceitou. Não vou dizer que estou apaixonado, mas não durmo com minha mulher faz tanto tempo que a experiência ao menos serviu para me acalmar. Me sinto meio culpado, mas não consigo mais dormir com minha mulher depois do que ela fez, então aguardo ansioso para me encontrar com Marin de novo.”
“Minha mulher parece estar tendo um caso com o guarda que coloquei para vigiá-la… a parte estranha é que não ligo a mínima. Desde que sirva para mantê-la mais calma e ficar longe da filha, tudo bem, mas não posso deixar a família dela saber disso.”
“Marin se adaptou bem rápido a biblioteca, e graças a ela tem mais gente indo até lá que o normal. Fico com um pouco de ciúmes, mas tudo bem, se uma mulher bonita pode incentivar as pessoas a ler e fazê-las se distrair dos problemas da cidade, nada contra.”
“Alice está melhor, mas parece sentir tanta dor quando fala algo que agora só anda se expressando por gestos ou escrevendo em um caderninho que está sempre com ela. Ainda não tive coragem de contar de quem foi a culpa disso. Ela acha que foi uma doença rara”.
Uma lágrima caiu dos olhos da fantasma de Alice, quando Jon leu essa parte. Ela suspirou e fez um sinal para ele continuar.
“O que foi que eu fiz?! Eu não queria… Aquela louca! Como pode fazer isso?! Ela tentou enforcar a própria filha até a morte! Que tipo de mãe faz algo assim? Ela drogou o guarda que a vigiava e foi até lá para matá-la! Eu a joguei para fora do quarto e brigamos, até que a empurrei, ela escorregou na escada, rolou vários degraus e não se mexeu mais… Quando tentei mexê-la vi que o pescoço estava quebrado… Ao menos ela morreu sem sentir dor… Me sinto culpado e ao mesmo tempo aliviado pela segurança da minha filha… Talvez tenha sido melhor assim. Ela era completamente louca…”
“Estava desesperado e acabei contando a Marin o que aconteceu. Pensei que ela se assustaria, mas ao invés disso me deu uma boa ideia de como resolver o ocorrido com Eunise e me livrar do corpo sem levantar suspeitas da família dela. Chegamos até mesmo a cortar o cabelo de Eunise para que batesse com os boatos de que a doença pega com mais facilidade em pessoas de cabelo curto… Aquela mulher está começando a me assustar…”
“Acho que Minha filha adoeceu… Espero estar errado”.
“Malditos deuses e malditos sacerdotes inúteis! Por quê?! O que eu fiz para merecer tamanha desgraça!?”.
“Marin disse que pode ajudar minha filha, mas estou com medo do método que ela sugeriu… Suspeito que ela seja uma bruxa… Por segurança a fiz assinar um contrato de sangue. Ela não pareceu gostar, mas acabou aceitando, então deve ficar tudo bem”.
“A praga finalmente foi contida pelos sacerdotes, mas pouco resta dos habitantes das minhas terras, e estou bastante endividado por tudo que gastei tentando conter a praga. O Rei do Sul falou que iria me ajudar, mas até agora não enviou nada. Minha filha se encontra em um estágio muito avançado da doença, eles disseram… Não podem fazer nada….”
“Ela morreu, nos meus braços, chorando, sem eu poder fazer nada. Nunca me senti tão impotente em toda minha vida… Só o que consigo pensar é que eu devia acabar com a minha vida e ir junto com ela…”
“Parece que devido ao contato com minha filha também peguei a doença. Aceitei a proposta de Marin para me curar, não tenho mais nada a perder…”
“Funcionou, me sinto estranho, e é quase como se não fosse eu mesmo, mas estou curado e nunca me senti tão forte. E o melhor de tudo, posso ver Alice de novo, ela sempre esteve comigo, ou ao menos o espírito dela. Infelizmente ela continua com dificuldade para falar, mesmo como um fantasma. Se ao menos tivesse aceitado a proposta de Marin e feito o mesmo com Alice, ela ainda poderia estar viva do meu lado…”
“Vê-la não é o bastante, eu não posso abraçá-la, beijá-la, sentir seu coração, ou sequer tocá-la… O espírito dela ao meu lado é quase como um castigo para me lembrar que se eu tivesse feito as coisas de forma diferente ela ainda estaria viva…”
“Sempre fui bom e tentei ser justo e só o que consegui foi perder tudo que mais amava. É hora de mudar. Falei com Marin, minha filha vai voltar a ver esse mundo, custe o que custar.”
“Não estava preparado. O preço de manter o corpo dela com vida é alto demais… Não sei se vou conseguir viver com a culpa. A desculpa que criamos é perfeita, mas a cada dia Marin me parece mais desprovida de compaixão pelos outros… Acho que ela está mentindo para mim… Alice vem me olhando de forma triste ultimamente. Espero que ela entenda o que estou fazendo um dia… É tudo para o bem dela…”
“O Rei me enviou uma grande quantidade de dinheiro para compensar as perdas que eu tive devido a demora da ação dele. Afirmou que estava ocupado com assuntos da guerra na fronteira na ocasião. Tanto dinheiro e nada para fazer com ele fora subsidiar os alimentos a baixo custo para a população que restou aqui…
“Tive uma ideia de como repovoar a cidade… Ninguém mais quer morar aqui devido ao medo da praga, então vai ser o único jeito…”.
“O Rei deu permissão para o projeto, suponho que por se sentir culpado pelo ocorrido que dizimou minha cidade”.
“A cidade está cheia de bandidos e mercenários procurados, mas ao menos está voltando a crescer. Com o contrato de sangue que os obrigo a assinar eles são obrigados a se comportar e me obedecer, então as coisas estão indo bem.”
“Comecei a construir a torre usando o dinheiro que o Rei me deu. Vai ser tão alta e majestosa quanto prometi a Alice. Espero que um dia ela possa voltar a vida e a ver com seus próprios olhos.”
“Não está funcionando… Marin mentiu…”
“O fantasma de Alice me olha com mais tristeza a cada dia que passa. Venho evitando encara-la por causa disso. Ela não entende que estou tentando salvá-la”.
“Eu vou traze-la de volta! Se Marin não pode, encontrarei quem o faça”.
“Eu vou traze-la de volta!”
“Eu vou traze-la de volta!”
“Eu vou traze-la de volta!”
O diário continuava com a repetição dessas palavras até a última página, onde havia uma frase diferente encerrando as anotações.
“Nada funciona… Não tenho mais opções fora ele… Mas se funcionar, temo que ela não será mais a mesma pessoa que conheci um dia…”
Próximo: Capítulo 11 – Imprevistos
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