Noein – To your other self (Review)
O que são o passado, presente e futuro, se não uma questão de perspectiva?
Haruka é uma menina de 12 anos entrando no período de férias de verão. Ela e seu colega, Yuu, começam a pensar em fugir de casa, como haviam prometido um ao outro. No entanto, coisas estranhas começam a acontecer: ela em um momento sente que o tempo “parou” e começa a ver estranhas figuras de capa preta. Aos poucos ela descobre que sua própria existência pode ser a chave para a salvação de outra dimensão chamada La’ Cryma!
Análise
Noein é um desses animes que eu comecei aleatoriamente depois de ouvir elogios sobre um aspecto ainda mais aleatório da obra (no caso, o trabalho de alguns animadores em especifico, já vamos chegar lá). Basicamente, é uma série que eu iniciei sabendo pouco ou quase nada e acabei me surpreendendo bastante. Quer dizer, não é todo dia que você encontra um anime que mistura slice of life com ação, drama e um sci-fi bem pretensioso.
Começando de maneira mais calma, Noein não entrega muito de seu lado mais sério a primeiro momento, os primeiros episódios especificamente tem muito mais foco em apresentar o grupo de amigos de Haruka, a protagonista feminina (especialmente Yuu, que sofre com um relacionamento difícil com sua mãe) do que se centrar na dimensão alternativa, La’ Cryma, e os “invasores” vindos de lá. Não é necessariamente lento, sempre tem algo acontecendo e alguma informação útil acaba sendo acrescentada. Mesmo no grupo da outra dimensão, os Dragon Soldiers, que fica em segundo plano, existe uma movimentação e interação de personagens que é importante. Não é um início ruim, longe disso, mas o ritmo pode afastar alguns.
No episódio 6 os ares da série começam a ficar mais grandiosos, mostrando o que realmente está acontecendo com La’s Cryma e o estado em que a dimensão se encontra: uma terra desolada, com pessoas vivendo no subsolo para fugir da guerra na superfície e que tudo está à beira do colapso. A sensação de urgência acaba crescendo e o porquê dos Dragon Soldiers precisarem da protagonista fica mais concreto. Fora que saber que “nossa” dimensão pode acabar como La’ Cryma também acrescenta tensão ao anime.
AVISO: À partir daqui começam os spoilers leves. Não é nada que eu julgue que vá atrapalhar a experiencia com o anime, mas não digam que eu não avisei.
Muita gente pode imaginar que o fator “outra dimensão” faria a série ser classificada como fantasia, mas a verdade é que o anime está muito mais perto de ficção científica hardcore. A série se pauta fortemente em teorias de física quântica, em especial a que diz que existem infinitos universos que se ramificam conforme as infinitas possibilidades vão aparecendo. Explicando de maneira simples: existem infinitos universos onde o Eixo venceu a Segunda Guerra, onde seus pais não se conheceram, onde o Brasil não foi colonizado por Portugal e assim sucessivamente (lógico que isso não acontece no anime, é só um exemplo). La’Cryma então acaba se revelando com uma dimensão relativamente no futuro em relação a de Haruka, que deu azar e precisa dela para consertar o estrago.
Em resumo, não é bem uma série sobre “invasão de um povo de outro mundo” e sim sobre viagem entre diversas linhas de tempo. Alguns personagens de La’Cryma se revelam como a versão envelhecida dos amigos de Haruka, o que adiciona uma boa quantidade de conflitos interessantes. Os poderes de Haruka (que vão de apenas observar até modificar as dimensões) que ela não controla bem, acabam sendo outra maneira interessante de explorar diversos personagens e situações.
Outro ponto bom da série é deixar as explicações tão complicadas claras para o telespectador casual. Eu não sei dizer até que ponto foi a liberdade criativa do roteiro, mas dentro do universo da série tudo parece bem crível. Muita vezes a ideia de “viagem no tempo” é usada para resolver problemas pessoais dos personagens. Yuu pelo papel na trama (e por colecionar problemas de personalidade) acaba sendo o foco da maior parte deles, mas temos outros como sua mãe tentando superar a crise de inferioridade com a irmã, Haruka entendendo melhor o divorcio dos pais, entre outros. Na verdade, apesar de todo o elemento sci-fi, o anime sempre tenta deixar o clima da série “próximo” do cotidiano (ao menos na linha de tempo atual, em La’Cryma é outros quinhentos). A ambientação da cidade simpática à beira do mar, assim como seus habitantes, é presente até a reta final.
Contrastando com o grupo de crianças amigas de Haruka da “atualidade”, os Dragon Soldiers são todos adultos e protagonizam as partes mais focadas na história sci-fi em si. Talvez por isso não são todos que ganham aprofundamento, mas ainda assim eles nunca dão a sensação de serem “um grupo”: a maioria tem um objetivo, e reage de maneira própria ao contato de uma dimensão tão diferente da sua terra devastada, motivo também para entrarem em conflito entre si. De maneira geral acho que todos os personagens relevantes do anime são suficientemente interessantes, apesar de não haver nenhum extremamente carismático ou aprofundado.
No final a trama principal se fecha bem, apesar de que alguns detalhes nunca explicados darem uma sensação de correria. Por pegar muitos temas universais, como a insegurança e o pessimismo das pessoas quanto ao próprio futuro, fica a sensação que os episódios finais podiam ser um pouco mais longos. Muitos detalhes e “respostas finais” são passados de forma sútil, o que pode não satisfazer alguns. Eu gostaria de um epílogo um pouco mais completo sobre alguns personagens, mas acho que deixar abertura para incontáveis repostas também faz parte da natureza do anime. Apesar de alguns problemas, o final é bom no geral.
Aspectos Técnicos
A animação de Noein é algo que merece uma observação mais detalhada. Primeiro vamos para os pontos fracos, começando com o CG. Noein é uma série de quase dez anos, feito pelo estúdio Satelight. Só com isso você deve imaginar que o anime não envelheceu muito bem nesse ponto, e é isso. Os giros de câmera da casa da Haruka, principalmente, saltam demais ao olhos quando perto da animação dos personagens. O CG por sorte é usado só em objetos que tem um design muito complicado para desenhar em 2D o tempo todo e que são inanimados (em cenas que precisam de um impacto maior, por sorte, tudo volta a ser 2D).
Outra coisa que pode incomodar é o reuso de cenas ao longo do anime (nem a opening escapa!). Na maior parte do tempo são cortes breves, mas tem um episódio que quase parece um recap de tanta reciclagem. É claro que a “viagem no tempo” é uma boa justificativa, mas tem horas que passa dos limites.
Agora quanto ao resto… ai sim.
Noien é uma série que ficou conhecida pela experimentação na animação. Muitas vezes, o character design do anime não revisava ou mudava de episódio a episódio. Isso acontecia de maneira proposital, justamente para manter o estilo dos animadores. Como o esperado, o design de personagens ficava inconsistente pra caramba, mas muitos talentos se destacaram depois de trabalhar na série.
Episódio 2 versus o 3. É DESSE TIPO DE VARIAÇÃO QUE TÔ FALANDO! |
Ryo-timo por exemplo (Tetsuwan Birdy Decode, Yozakura Quartet da Tatsunoko) fez uma das cenas mais famosas do anime e ganhou fama depois dela. Existem outros animadores que são mais experientes, Hiroshi Okubo (que faz a cena de abertura), por exemplo, é um dos entrou para a GoHands junto com outros da Satelight. Noein tinha um bom time, e conseguiu equilibrar bem essa gente para que praticamente todas as cenas que cobravam uma animação mais elaborada acontecessem sem problemas. Boa parte da série se mantem mediana, mas todos os climaxes e cenas de ação mais importantes são muito bons. Não é aquilo do “o começo é bem animado e depois só quadro estático’, eles realmente planejaram bem quem faria cada episódio. Enfim, o estilo de animação é um aspecto bem único do anime.
A direção também é boa de maneira geral. Existem episódios que se destacam muito em relação aos outros, mas nenhum especificamente ruim nesse ponto. O saldo acaba sempre positivo. O character é bem simples, quadrado e diferente da maioria dos animes por ai. Provavelmente optaram por essa arte para facilitar a animação (além de permitir muitas “funny faces”). Gostando ou não, é outro diferencial bem forte da série.
A OST cheia de temas orquestrados e coros, principalmente em cenas mais sérias, é outro ponto para se elogiar. Em nenhum momento ela fica deslocada com o anime. Considerando os dois tons do anime que se alteram bastante, isso é um grande feito. A música de abertura pela banda eufonius também é bem bonita, mas acho que a melhor parte dela é ler a letra perto do final do anime e pensar “caramba, tava lá o tempo todo!”.
Conclusão
Noein é uma série que vale muito a pena. Dá para recomendar para quem quer um sci-fi mais “teórico” mas também é leve o suficiente para uma aventura, ainda que também tenha uma boa dose de drama… enfim, é uma série que atinge vários gêneros diferentes. Talvez o começo lento e o design diferente possam afastar um pouco mas mesmo para quem não é habituado a ver esse tipo de coisa recomendo dar uma chance até o episódio seis, pelo menos.
Mesmo com alguns temas bem pretensiosos, o anime passa uma mensagem bem simples: não existe um “futuro” feliz, nós é que estamos felizes com nossa própria vida.
Direção: 8.5
Roteiro: 8.5
Animação: 8
Soundtrack: 8
Entretenimento: 8
Nota Final: 8.5
Abertura:
Processo de animação de uma cena do episódio 12 por Ryo-timo:
Algumas ilustrações que acompanham o BD-Box no Japão (além da capa do post):