Koe no Katachi o Filme – O Peso do Silêncio | Review

 

A versão escrita é diferente do vídeo e feita pelo redator Marcelo:

Koe no Katachi é daqueles casos em que, independente do gênero que você goste de assistir, seria muito interessante dar uma chance. Não por uma mera questão de estar no grupinho de quem viu, ou muito menos por ser um anime visualmente bonito (padrão KyoAni).  Ele é interessante por oferecer uma experiência de autorreflexão, uma oportunidade de entender o que é viver nessa loucura que chamamos de sociedade.

Koe no Katachi não é um filme de romance, mas sim drama. Um puro e simples drama sobre bullying.

Apenas veja.

A forma como a KyoAni conseguiu compactar todas a proposta do mangá foi simplesmente fantástico.

Alguns aspectos não são perfeitos, claro. O filme sofre com o clássico problema de ter que resumir uma obra fechada em 2 horas, e a sensação de que alguns personagens só foram adicionados para criar a situação de crítica social, pode acabar surgindo, mas ainda assim, a experiência vale muito a pena.

O papel deles é extremamente importante, porém, os personagens em si, não.

Eu estava ansioso para ver o filme, ao mesmo tempo em que estava preocupado. Grande parte do meu problema com o mangá se resumia ao protagonista. Ler os primeiros capítulos era revoltante, acho que nunca odiei tanto um personagem quanto ele. Minha raiva era tão grande que eu não conseguia aceitar, mesmo entendendo o propósito da sua mudança, que ele se aproximasse da Nishimiya.

Quero dizer, ele não precisava sofrer, ou qualquer coisa do tipo. Na verdade, ver o Ishida se recuperando e evoluindo como personagem é bem interessante, e trabalha bem a questão de segunda chance e perdão. Mas ainda assim, a recompensa parecia grande demais.

Principalmente por tudo o que ela passou.

Felizmente, com o filme, essa sensação diminui drasticamente. O trabalho da KyoAni em fazer essa transição entre a fase de bullying e o processo de arrependimento dele é tão sutil, que você não tem tempo de realmente odiá-lo. Lógico que isso, indiretamente, significa que algumas coisas foram deixadas de lado, e a ideia de contar parte do passado por flashbacks pode ser incomoda.

Por outro lado, algumas ideias ficaram bem interessante.

Os minutos iniciais, onde mostram a infância do Ishida, e o seus dias na escola, é construído com um fundo musical de rock dos anos 80/90, lembrando bastante a época onde ser um valentão significava ser descolado. E momentos depois, quando ele está preste a entrar no ensino médio, a trilha muda para uma arranjo leve, que vai aos poucos sendo sobreposto pelos ruídos das pessoas, até chegar ao ponto em que ele cobre os ouvidos.

Não somente nesse caso, mas em muitos outros a trilha ajuda a aumentar a tensão.

Isso marca bem a transição entre o início da sua infância, que era ligada a curtir com os amigos, sem se importar com nada, o tradicional “é só zuera”, e depois, o peso que isso cria sobre ele.

A constante desconfiança sobre o que vão pensar, o medo de encarar os outros e sofrer uma represaria. Tudo é apontado lá, sem necessariamente ter que mostrar na tela. É tão sutil que chega a ser poético.

Os detalhes vão se construindo aos poucos, os flashbacks sobre o período em que o Ishida se tornou vítima de bullying, o modo como os amigos foram virando as costas e deixando ele assumir a culpa sozinho, até o ponto em que ele chega ao fundo do poço e reencontra a Nishimiya.

Os primeiros passos.

Enquanto que o mangá poderia ser divido em duas grandes partes, sendo a primeira focado na pratica do bullying, enquanto que a segunda seria nas vítimas dele. O filme aborda, quase que exclusivamente, esse segundo aspecto.

O roteiro gira basicamente em torno da vida deles, dos relacionamentos com a família, da visão que eles criaram sobre si, e de como buscam formas de superar as barreiras internas que o trauma criou.

O romance é inserido alí, mas não chega a ser completamente explorado, e o modo como os abusos do Ishida são explorados de forma rápida, não cria a ideia de que você está assistindo um filme sobre um garoto que pratica bullying contra uma deficiente auditiva.

A sensação que fica, é que você acompanhou a trajetória de duas vítimas que tentavam superar seus problemas, enquanto buscavam se aceitar.

Mesmo que ela fosse a maior vítima em tudo.

A história de Koe no Katachi é muito rica e bem trabalhada nesse quesito, e a ideia de focar nisso foi muito inteligente por parte da direção. Eles conseguiram pegar a essência do mangá, e adaptar muito bem.

Foi gratificante ver como mantiveram, da metade final em diante, os diálogos onde não têm “narrações” sobre os sinais da Nishimiya. Isso mostra o qual dedicado o autor foi em pensar no público que pretendia atingir.

Algumas conversas ficam com a sensação de serem “unilaterais”, e tudo o que você pode fazer, é deduzir o que ela falou baseado nas reações e resposta do Ishida. E de maneira alguma isso é um incomodo, para mim, cria um clima incrível de imersão e interessam entre os leitores.

Não é uma questão de pena ou bondade. Se torna realmente interessante procurar mais sobre linguagem de sinais.

Você acaba entrando na história, sentido e pensando coisas que normalmente não acontecem com obras do mesmo tema. É doloroso assistir o bullying contra a Nishimiya, é angustiante perceber o jeito como ela se enxergava perante os outros por conta da suas diferenças.

Mas, o que mais me chamou atenção, foi perceber o quão aterrorizante eram os sorrisos dela.

Por mais que o mangá ainda consiga expressar o sentimentos que aquilo tem que gerar, ler balões não te dá o “tato” necessário para sentir o peso daquilo, são apenas ilustrações acompanhadas do já silencioso ambiente do seus pensamentos.

Mas quando as coisas começam a ganhar vida, e tudo ali ganha sons, vozes, expressões, emoções, é que você realmente entende o peso que os sorrisos silenciosos dela têm.

O caso com o Ishida se desenvolve da mesma forma, mesmo observando o comportamento dele em relação a Nishimiya, você não consegue pegar uma grande raiva dele, pois, diferente do mangá, o tempo dedicado para o bullying é bem rápido, e logo foca no modo em que sua vida ficou após esse período.

O jeito como ele se fechou, e decidiu encarar tudo isso, cogitando até mesmo suicídio. Além de abordar o complexo que ele desenvolve por ter sido excluído. As marcas nos rosto das pessoas, mostrando que nenhuma delas é uma opção, que todas são a escolha errada, já que não se pode confiar nelas, vão aos poucos mostrando como ele encarou o mundo.

A cena final é tão incrível que não tem como deixar de se impressionar pelo modo como foi adaptada. O jeito como o Ishida entra na escola e começa a passar mal, a câmera na perspectiva dele, mostrando o medo de encarar as pessoas nos olhos. [spoiler leve] E então o encerramento, onde, após a reconciliação com os seus amigos, ele volta a ouvir os sons que estão a sua volta, dando finalmente formas para as vozes. [fim do spoiler]

Em resumo, por mais que o filme não foque no romance, e crie um final bem aberto, as experiências em assistir ao filme foram ainda melhores do que as de ler o mangá. A leitura dele ainda é quase obrigatória, caso você tenha gostado, mas de certa forma, o filme consegue adaptar muito bem aquilo que Koe no Katachi tenta passar.

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Extra

Alguns belos gifs para encerrar.

 

Marcelo Almeida

Fascinado nessa coisa peculiar conhecida como cultura japonesa, o que por consequência acabou me fazendo criar um vicio em escrever. Adoro anime, mangás e ler/jogar quase tudo.