As Crônicas de Arian – Capítulo 7 – Sem opção
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Capítulo 7 — Sem opção
Em um barranco enlameado, no meio de um campo aberto, uma garota loira de uns 20 anos, usando uma espada de lâmina branca e um manto azul, lutava contra dois homens. O primeiro deles caiu.
— Eu não aguento mais, é o terceiro dia que isso acontece! — disse Lara furiosa, enquanto desviava de um mercenário que usava duas facas.
Uma das facas quebrou ao encostar na espada da garota. E enquanto ele mostrava surpresa pela perda repentina da arma, ela aproveitou para dar o golpe final, cravando a ponta da arma no peito do inimigo.
— Cuidado, Lara! — gritou um garoto de uns 16 anos de cabelo preto, se jogando em cima da garota loira para evitar que fosse atingida por um inimigo, que vinha correndo pelas suas costas.
Os dois caíram de mau jeito no chão enlameado, mas evitaram o golpe.
— Mas que mer… — Lara empurrou o garoto, que saiu rolando barranco abaixo. Ficou de pé rapidamente e bloqueou, com sua espada, o ataque de um porrete infestado de pregos, que outro adversário carregava.
A garota caiu para trás com o impacto. Estava ofegante. As vantagens de sua espada eram inúteis contra uma arma de madeira. E como tinha usado o maior trunfo dela para acabar com um grupo de mercenários, duas noites atrás, a arma perdeu quase todo seu potencial, temporariamente. Não fosse isso, poderia acabar com aqueles homens com facilidade. O artefato que carregava com ela estava drenando suas forças, e a luta se prolongara demais, mal tinha energia para brandir sua espada. O terreno encharcado pela chuva também dificultava a locomoção.
Não paravam de ser atacados desde que saíram da base. Seu corpo estava pesado, cheio de lama e sangue dos mortos à sua volta. Acamparam naquela área ontem à noite, e como os ataques viraram algo comum, já aguardavam por uma investida de mercenários em algum momento. Só de manhã cedo, quando ninguém esperava, que o inimigo se mostrou, em um número muito maior comparado aos ataques anteriores.
Pela segunda vez, Lara tentou se levantar daquele chão cheio de barro, mas escorregou na lama e caiu de costas no chão, enquanto a arma com pregos do inimigo vinha a toda velocidade na direção de seu peito. Desviou do segundo golpe girando para o lado, mas bateu em um corpo quando o fez.
— Me ajude — disse um soldado agonizando a seu lado.
Outro golpe, o porrete desceu rápido em sua direção. Lara nem sequer pensou.
— Não aqui! — usou o homem a seu lado de escudo o puxando para sua frente. Seu peito foi completamente destruído com o golpe.
— Descanse em paz — disse com sarcasmo ao morto, enquanto perfurava o meio das pernas do mercenário tentando matá-la.
Ele ajoelhou de dor, com as mãos se apoiando no chão úmido. Lara deu um sorriso ao ver a cara de dor do homem, ao menos não era só ela que estava sofrendo aquela noite. Mas para sua surpresa, ele não parou.
Levantou rapidamente. Com uma das mãos que estava no chão, jogou lama nos olhos de Lara, e na outra vinha com a arma mirando sua cabeça. A garota, desesperada tentando limpar os olhos, não tinha como bloquear.
— Jon, abaixe! — O garoto subindo o barranco obedeceu, e uma flecha acertou a testa do homem lutando com Lara.
— Lara, Jon, estão feridos? — Perguntou a líder do grupo, correndo na direção deles.
O garoto estava pálido observando os corpos à sua volta. Nos outros ataques conseguiu ficar afastado da batalha, mas dessa vez não teve esse luxo.
— Se vai vomitar faça logo — disse uma das mulheres vestidas em capas azul-escuras, olhando para ele.
— Arg… que droga! — Lara cuspiu a lama misturada a sangue em sua boca, e depois começou a tossir como se quisesse vomitar. — Esses idiotas não servem para nada! — gritou ela, chutando o homem que usou de escudo.
Começou a vomitar logo depois. Jon, a seu lado, fez o mesmo assim que a viu colocar sua última refeição para fora.
— Gritar não vai ajudar. E veja pelo lado bom, você é a pessoa mais camuflada do grupo — Falou Joanne, com um claro sorriso de satisfação, ao ver a situação deplorável da subordinada.
Aos 28 anos, Joanne, a líder da missão, tinha uma grande maturidade. Lara a respeitava. Nunca se abatia, nunca ficava nervosa, e tinha um estranho prazer em fazer piadas sem graça em situações extremas. Era muito bonita, e com um corpo mais chamativo do que Lara gostaria de admitir. E embora seus olhos azuis e cabelo loiro fossem um pouco mais escuros que o de Lara, as pessoas frequentemente achavam que elas eram parentes.
Enquanto pensava nisso, do nada, Lara foi arremessada para o lado, com um soco de um dos guardas da escolta.
— Sua vaca, porque usou o Barth de escudo? Ele estava vivo!
Lara segurou sua espada com força e olhou com ódio para o homem, enquanto limpava a boca do sangue da pancada, misturado com o vômito.
— Era ele ou eu! Vocês deviam estar me protegendo para começar… Ao menos ele morreu fazendo isso!
O homem avançou de novo para cima de Lara, que encostou a espada em seu pescoço na mesma hora. Os dois ficaram parados, se encarando por alguns segundos.
— Parem com isso. Lara é uma idiota, mas ela tem razão, vocês estão fazendo um péssimo trabalho, e a vida dela tem prioridade… Por que não está usando sua armadura, falando nisso?
— Não consigo lutar com aquilo, já estaria morta se ainda estivesse usando.
— Três feridos e cinco mortos, já perdemos vinte pessoas desde a partida, devíamos voltar — disse a arqueira, Irene, com a roupa mais limpa do grupo.
— Fomos emboscados quatro vezes, não pode ser coincidência – disse Lara, tentando desesperadamente retirar a lama grudada em todo seu corpo. A calça e bota de couro estavam completamente enlameadas, o mesmo para o espartilho marrom protegendo seu abdômen. A camisa por baixo do espartilho era o artigo mais limpo, além dos braceletes de metal.
— Voltar é impossível, já passamos da metade do caminho, se voltássemos teriam ainda mais oportunidades de nos emboscar — disse Joanne, pensando em outras opções. — Jon, qual a cidade com proteção militar mais próxima?
— Segundo me lembro, Lancaster fica a 5 dias daqui. É a opção mais viável, as outras cidades à volta são muito pequenas — disse ele, tentando pensar com clareza, enquanto ainda em choque depois do ataque que sofreram.
— Não, melhor irmos para Arc — disse Lara.
— Ficou maluca Lara? Demoraríamos no mínimo sete dias e a cidade é grande demais para garantir proteção. Fora que o Rei é um idiota, é capaz de nos entregar em vez de ajudar — argumentou Joanne, impressionada com tamanha estupidez. — A lama entrou no seu cérebro por acaso?
— O Rei é um idiota, mas o conheço e deve favores ao meu pai. Talvez eu consiga uma escolta de verdade lá — disse, tentando organizar suas ideias, enquanto esfregava o rosto, ainda nervosa com a sujeira. — Não vamos achar ninguém de valor em Lancaster fora mais guardas meia boca como os nossos. — Ela estava apontando para o líder dos guardas que a socou, ainda próximo deles. O homem queria matá-la com os olhos.
Joanne respirou fundo, e pensou por um momento.
— Estela, enterre os mortos onde achar devido. E cuidado com a maldição, está se ativando cada vez mais rápido. Junte os sobreviventes que ainda podem andar e peçam ajuda na cidade mais próxima. Depois voltem para a Torre de Luz. O que eles querem está com Lara e eles sabem disso, não vão atacar vocês na volta. Eu, Jon, Lara, Irene e Zek, completaremos a missão.
Irene, a garota usando o arco, que salvou Lara, só acenou com a cabeça. Zek, a única do grupo usando uma armadura completa, e não parecendo nem um pouco cansada ou abalada depois daquilo tudo, também acenou. A garota raramente falava algo, e mesmo quando o fazia, geralmente era uma pergunta direcionada ao Jon, sobre coisas completamente aleatórias.
— A escolta está dispensada — disse Joanne ao homem, que ainda amaldiçoava Lara com os olhos.
— São muito poucos, eu e mais 4 que podemos ir com vocês.
— Estela, você é minha melhor amiga, mas luta mal, e os cavaleiros enviados para nos proteger não valem nada. — Joanne olhou rapidamente em volta, receosa que o líder da escolta ainda estivesse por perto, mas não era o caso. — Pelo que Lara falou, podemos negociar com o Rei de Arcadia por uma escolta, e até lá estaremos melhor sozinhos. A princesa mimada, Zek e eu, valemos pelo triplo dos soldados do templo que morreram aqui. É uma perda de tempo levar mais.
Estela pareceu claramente triste com o que ouviu, e mais ainda pela frieza de Joanne para com os mortos. Mas já conhecia a personalidade dura e sincera de sua líder faz tempo. Acenou com a cabeça e seguiu suas ordens.
Joanne e seus 4 companheiros montaram nos poucos cavalos que sobraram depois do ataque, e seguiram para Arcadia.
Lara respirou fundo, e depois fez uma expressão triste:
— Eu espero que você esteja certa quanto a isso, seja lá quem for…… — sussurrou a garota, olhando com desconfiança para o céu nublado.
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