As Crônicas de Arian – Capítulo 27 – Um mundo cruel
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Capítulo 27 – Um mundo cruel
Jon estava atrás de uma árvore, com Zek. Joanne estava tentando se proteger atrás de uma rocha triangular, e manter seguro o que restou dos cavalos e carruagem. O teto da diligência tinha sido arrancado pelo vento, e dois, dos quatro cavalos, usados para puxá-la, tinham fugido para a floresta. Marko foi jogado para dentro da floresta também, e Irene estava atrás de uma árvore, a uma distância considerável deles.
A pior situação era a de Arian, Kadia e Lara. Eles estavam embaixo do portal temporário, por pouco não foram pegos por ele e teleportados. Jon se encontrava em uma briga interna. Odiava Lara, e isso só piorou durante a viagem, na qual em uma tentativa de salvar a vida dela, recebeu como recompensa ser empurrado pela mesma e sair rolando por um barranco enlameado. Mas, ao mesmo tempo, ser jogada em uma dimensão onde seria congelada, assim que chegasse, talvez fosse uma punição alta demais para seus pecados. “Bem, que os deuses decidam o destino dela, não cabe a mim”, pensou ele.
Por outro lado, estava realmente torcendo para que Arian e Kadia saíssem vivos. Não que aprovasse o modo como Kadia decidiu punir aquele mercenário, mas graças a eles bloquearam um ataque que os teria matado com o grupo anterior, enviado pela torre de luz para escoltá-los. O modo como esse mundo funcionava, onde números não necessariamente significavam algo, era uma coisa que ainda não tinha se acostumado. A frase “exército de um homem só”, realmente fazia sentido aqui.
De todas as coisas estranhas desse mundo, que eles chamavam de Vor, ou Midvor, para se referir ao continente em que estavam, os portais eram a parte mais curiosa, ao menos para Jon. Assim como você podia acabar teleportado para aquele mundo sem aviso, podia ser tirado dele e jogado em outro do nada também. Alguns portais eram permanentes, tendo apenas ciclos de quando ficavam maiores ou menores, e com isso afetando todo o ambiente a sua volta. O real problema eram os portais temporários. Embora tivessem áreas onde havia mais chance de aparecerem, não era possível prever quando, e onde iria ocorrer, e nem a qual dimensão o portal iria estar ligado. Eles normalmente duravam pouco tempo, e muitos não faziam nada fora teleportar quem entrasse neles para sua dimensão. Mas dependendo da dimensão a que estavam ligados, podiam causar muito estrago. Existiam alguns casos documentados deles aparecendo no meio de grandes cidades, e matando milhares de pessoas no processo, com alagamentos, queimando toda área a sua volta, e até trazendo criaturas perigosas de outros mundos.
Seja a que local esse portal que apareceu ali ligasse, devia ser completamente gélido e inabitável. Só o vento dele estava congelando tudo naquela pequena área.
Depois de mais algum tempo, o portal finalmente desapareceu, e o vento parou.
— Todos bem? — gritou Joanne.
— Não, preciso de ajuda aqui! — gritou Kadia.
Joanne foi correndo até eles, seguida por Jon, Zek e Irene. Dorian apareceu em seguida, devia estar se protegendo no meio da floresta.
Lara virou Arian e tirou a armadura do peitoral dele. Seu corpo estava completamente pálido. Lara pressionou o peito dele com a mão, se preparando para fazer algo.
— Nem pense nisso Lara! Eu faço, você não pode se desgastar — gritou Joanne, chegando correndo.
— Dorian, acenda uma fogueira ao meu lado.
Joanne se aproximou, colocou as mãos nas costas de Arian, e começou a dizer algumas palavras. Ao mesmo tempo, a mão dela começou a emanar um brilho dourado. Dorian trouxe um tronco grande de madeira e usou magia para fazê-lo pegar fogo. Mas não parecia estar fazendo de bom grado… Ele mostrava certa antipatia com o Arian, mas Jon pensava que era brincadeira, ao menos até agora.
Marko apareceu pouco depois, com o rosto machucado.
— Você está bem? — perguntou Irene.
— Estou, se preocupem mais com ele. Se o coração dele realmente parar, não vão querer ver o que vai acontecer aqui.
— Zek, me ajude aqui.
A mulher de cabelo militar saiu do lado de Jon e imitou o que Joanne estava fazendo.
Um tempo depois, Arian abriu os olhos, e deu uma grande tragada de ar, tentando respirar de forma desesperada.
— O que eu…?
— Seu coração quase congelou… Obrigado por proteger Lara. Se ela morresse, ou fosse teleportada com o que está carregando, estaríamos com um grande problema.
Arian respirava com dificuldade.
— Dorian, Marko e Irene, procurem os cavalos, eles correram para a floresta.
— Arian, descanse, está liberado da vigília por hoje.
— Eu fico cuidando dele! — Lara e Kadia falaram ao mesmo tempo.
Jon e Joanne riram.
— É, mas quem vai fazer isso sou eu, podem morrer de inveja. Vocês duas, vão ser o primeiro grupo a ficar de guarda.
— Com ela? — as duas falaram ao mesmo tempo, de novo.
— Vai ser bom, quem sabe não viram até amigas. Colaboraram bem depois que Arian desmaiou — Joanne estava fazendo um sorriso meio sádico.
Depois de discutir um pouco, as duas desistiram, ficando de guarda perto da carruagem, a uma distância considerável uma da outra.
No dia seguinte, a viagem continuou, com Arian deitado dentro da carruagem, ocupando um dos bancos, já que ainda não estava plenamente recuperado. Só dois cavalos para aquela carruagem pesada era pouco, então estavam indo um pouco mais devagar. Os outros dois tinham morrido, e os cavalos que pegaram dos mercenários desapareceram pela floresta.
Arian estava dormindo, enquanto Jon fingia ler um livro, mas estava mesmo é observando Arian com o canto dos olhos, tentando achar uma dica para o que ele era. Adorava mistérios, e alguém que acordou sem memórias e possui características que não batem com nenhuma raça específica, era muito curioso. Primeiro pensou que ele era um daqueles heróis sobre o qual lia em livros, mas depois notou que ele parecia mais comum do que as histórias sobre ele relatavam. Um verdadeiro exemplo de como aumentam as coisas e escondem defeitos quando transcrevem esses contos heroicos. Quando Lara falou que queria chamá-lo para missão, Jon leu todos os jornais com informações sobre ele que achou na biblioteca de Arcadia. Não serviu para muita coisa, mas ao menos tinha uma noção da vida daquele homem, e algumas curiosidades, como o mito de ter uma fantasma que vivia ao lado dele.
— Preocupado com ele? — perguntou Zek. Jon se surpreendeu com o comentário, já que a garota raramente falava.
— Não, se metade das histórias sobre ele forem verdade, isso não o mataria. Acho que estou é com inveja, ele é tudo que eu queria ser quando criança. Quer dizer, menos a parte de perder as memórias e coisas ruins que parecem ter acontecido na sua vida. Mas queria poder lutar, entrar em uma guild, ficar famoso. Talvez assim Joanne…
— Você é fantástico do jeito que é Jon. Conseguiu me ensinar o que os professores tentaram por anos, sem sucesso. Lutar não é tudo. Têm várias pessoas que fazem coisas fantásticas a termos de combate em todos os cantos desse mundo, mas nunca vi ninguém tão inteligente quanto você… Você pode querer ser como ele, mas eu gostaria de ser como você.
Zek corou levemente ao dizer isso. Já Jon abaixou um pouco a cabeça, com uma expressão mista de vergonha e felicidade.
— Obrigado, Zekasta…
Empolgado pelo elogio, Jon começou a explicar a Zek sobre o livro de um antigo sábio que estava lendo, que teorizava sobre a possibilidade de prever a aparição de portais.
No dia seguinte, com Arian já parecendo bem, todos voltaram a suas posições padrão.
— Não podemos ir mais rápido? Estou na minha última garrafa. Aquele portal estúpido quebrou quase todo meu estoque.
— Estamos indo o mais rápido que dá Marko. Mas tem uma vila bem pequena perto daqui, talvez consiga algo lá — falou Jon.
— Esse é meu aprendiz! O seu próximo treino vai ser em um bordel em Amira, vou te ensinar tudo que sei, “você sabe quem” não vai conseguir mais te largar se usar minhas técnicas secretas. Olhe a Irene, não consegue me olhar sem corar agora, isso leva anos de prática.
Jon riu. Gostava de Marko, era engraçado, e ainda por cima o estava ajudando a se aproximar de Joanne, algo que tentava há tempos. Bom, na verdade não fez grande coisa, só conseguiu a vaga de assistente pessoal dela. Depois disso não sabia mais o que fazer, nunca interagiu muito com mulheres em seu mundo.
— Quero uma dessas… — disse Kadia, resmungando, enquanto olhava para a espada de Arian.
— Bem, todos nós queríamos… Mas uma com um espírito vivo. A semimorta do Arian não vale muita coisa — disse Joanne.
Arian deu algumas batidinhas no cabo da espada, como se estivesse consolando a arma, o que fez Jon rir. Não havia muita informação sobre a arma nos relatos sobre ele, mas dizem que a possui desde que acordou. Em teoria, deve ser a única coisa constante em sua vida, além da tal fantasma, caso exista mesmo. Vendo que todos ficaram calados, Jon não se aguentou, e começou a acrescentar informações:
— Foram catalogadas 72 armas espirituais nos últimos 10 anos, mas pelos livros que pesquisei, já houve um tempo em que mais de 500 existiam, embora muitas delas fossem fracas comparado as que sobraram hoje. A do Arian é particularmente interessante. Nunca explicaram como as armas desapareceram, mas pelo que dá pra ver pela dele, elas morrem com o tempo, e a arma perde sua durabilidade depois disso. O porquê dá alma da criatura morrer, aí eu não sei.
— Quer dizer que sei algo que você não sabe? — disse Joanne.
Jon fez uma cara de dúvida. Infelizmente, não tinha como ele saber tudo no pouco tempo que estava naquele mundo.
— Compatibilidade. As almas precisam ser compatíveis e aceitar o dono, caso contrário a arma vira um objeto comum, e quebra com o tempo. Algumas almas de criaturas aceitam quase qualquer pessoa, e com isso duram mais, já outras, são mais complicadas, só aceitando pessoas com personalidades muito específicas, ou então um indivíduo com uma forte ligação com o dono anterior, que a criatura aprove. Imagino que criatura horrível usaram na arma da Lara para funcionarem tão bem juntas.
— A dela é famosa, está descrita nos livros que li, usaram um dragão de gelo derrotado por um herói antigo…
— Lancaster? — questionou Irene.
— Isso, há mais de 1000 anos. É meio irônico até, um cavaleiro de dragão matando um dragão… Mas de qualquer forma, Arkadian, o dragão dessa espada, era descrito como egoísta e pouco amigável, então é o par perfeito para Lara.
Lara estava com uma cara de quem queria matar os dois. Mas antes de dizer algo, foi interrompida.
— Arkadian… Tem algo a ver com a cidade de Arcadia? — perguntou Irene.
— Ele vivia nas montanhas que separam a cidade de Arcadia do mar. Com certeza foi a inspiração para o nome.
— Vocês não têm um assunto menos chato? — questionou Lara.
— O passado te dá respostas e lições importantes, Lara. Devia dar mais valor a ele, ainda mais na sua posição — disse Joanne.
— Qual o problema de vocês com a minha roupa?
Marko estava olhando fixamente para Kadia. O que fez Jon começar a reparar também. A roupa de couro dela estava rasgada em alguns pontos, o que estava a deixando ainda mais sensual que o normal. Deve ter ocorrido com galhos e pedras batendo nela, com o vento do portal.
— Eu não falei nada… — disse Marko.
— Não precisa, você também Jon, pare de… Arian! Tentem esconder o que estão pensando pelo menos!
— Ei, você que puxou o assunto de utilitários, eu estava pensando em outra coisa antes… Essa sua roupa apertada, bem… Ela chama atenção normalmente, que dirá rasgada… — disse Arian.
— Então o taradão das elfas gosta de mulheres normais também? Estou surpreso, e meio decepcionado…
— Não me compare a reles humanas, Dorian, sou muito superior a elas.
— Mas não mesmo — retrucaram Lara, Joanne e Irene, ao mesmo tempo.
— Droga, olha o que você fez Kadia, agora <E> está de mau humor de novo.
— Bem feito. E essa roupa me permite mover melhor, armaduras e roupas demais te deixam muito lento em combate. É mais difícil de colocar e tirar tudo também e…Arian! Jon! Marko!… Dorian, não sei como você consegue me bloquear o tempo inteiro, mas pela sua cara safada está pensando a mesma coisa!
— Do meu ponto de vista, isso é um elogio. Aposto que a Joanne e a Lara estão com inveja — disse Marko, com um sorriso safado na cara.
— Agora ele está te imaginando nua Joanne, e o Jon também… E a Lara está se perguntando por que ninguém tentou imaginar ela nua ainda.
— Ei!
Todos do grupo começaram a rir.
— Não é que eu não goste, mas era mais divertido quando eu só imaginava que eles estavam fazendo isso… ser você deve ser horrível, Kadia — disse Joanne. — Bem, ao menos sei que o Jon tem bom gosto agora.
Jon ficou vermelho, fantasiava sobre Joanne desde que a conheceu, mas alguém dizer que ele estava fazendo era bem diferente. Zek fez uma cara meio triste, e começou a olhar seu próprio corpo, que não estava muito atrás do de Joanne e Lara, mas seu corte de cabelo curto, assim como o uso de armadura boa parte do tempo, a deixavam com uma aparência mais masculina.
Estava próximo ao final do dia e seguiam a estrada para Amira sem contratempos, até que chegaram a uma encruzilhada.
— Para onde? — perguntou Joanne.
Antes que Jon pudesse falar algo, Arian comentou.
— Reto, à direita é uma pequena vila. Se bem que o Marko deve querer passar lá para conseguir algumas bebidas. Se tivéssemos andado um pouco mais ontem, poderíamos ter acampado lá. Tem uma meio-elfa que faz bolos deliciosos. Pena que nunca aceitou minha oferta de ir para Distany. Sempre alega que adora essa vila e seus moradores.
— A Mirian? Só vim aqui uma vez, mas a filha dela era uma graça — comentou Marko.
— Arian… — Kadia estava olhando para baixo. Parecia não saber como continuar a frase. — O homem que eu olhei as memórias ontem… a vila que eles atacaram antes de serem contratados… Acho que…
Arian arregalou os olhos em desespero.
— Não! — O guardião virou o cavalo e seguiu a toda pela estrada à direita, com Marko atrás dele.
— A prioridade é a missão! Vocês foram pagos! Ei, Arian! — gritou Joanne, mas Arian e Marko a ignoraram.
— O que fazemos agora? Eu voto por deixar ele aqui — comentou Dorian.
Do nada, Kadia, que ainda parecia em dúvida, tocou seu cavalo e foi atrás de Arian e Marko.
— Se não seguirem ele, eu juro que largo essa missão — disse Lara, colocando a cabeça para fora da carroça, parecendo estar de extremo mau humor.
Joanne fez um olhar irritado.
— Vamos atrás deles. Está perto da hora de acamparmos mesmo.
Em pouco tempo chegaram na vila. Tinha corpos para todo lado, e várias casas destruídas. Encontraram Arian e Marko logo depois, tirando os destroços da frente de uma das casas. Era feita em madeira clara, com uma pequena horta na frente. O telhado estava queimado, e tinham toras de madeira bloqueando a porta.
— Mirian! Mirian! — gritava Arian, enquanto arrancava a porta queimada da casa.
Jon e Kadia, curiosos, o seguiram. Zek foi atrás de Jon logo depois.
— Miri… — Arian parou de falar ao ver a cena em sua frente.
Na sala da casa, presa a parede por duas estacas cravadas, uma em cada ombro, estava uma meio-elfa de olhos verdes. A roupa toda rasgada, a parte branca dos olhos meio esverdeada, a pele extremamente branca, e a ponta dos dedos preta.
— Mirian — Arian se aproximou, ajoelhando na frente dela. A mulher abriu os olhos lentamente. “Ainda está viva?”, pensou Jon, surpreso.
— Aria… ajude… a Ane… eles… levaram… — Não conseguia falar direito. Na verdade, era impressionante que conseguisse sequer falar aquilo em sua condição atual.
— Por.. favor.. Aju…
— Eu entendi Mirian, eu juro que vou encontrá-la — falou o guardião, com lágrimas nos olhos. A madeira no chão estava estalando devido a pressão que ele estava fazendo com os punhos contra ela.
Kadia e Marko estavam na porta, mas não falaram nada, só observavam com um olhar de pena.
Arian se levantou com os olhos vermelhos, quase chorando, e tirou uma das espadas menores das costas. Ele então fechou os olhos e respirou fundo. Quando os abriu, tinha uma expressão fria, era quase como ver outra pessoa.
— Esse maldito covarde! — ao dizer isso, Arian cortou a cabeça de Mirian, para o total espanto de Jon. “Por que ele fez isso?”, pensou o garoto, talvez eles pudessem salvá-la, tinha um grupo inteiro de sacerdotisas ali.
— O que você… — uma pessoa apareceu na sala segurando vários itens valiosos, que pareciam pertencer a casa. Pelo jeito estava nos fundos dela os coletando. O rosto era fino, coberto por uma barba mal cuidada.
O homem se virou para correr, mas Arian foi mais rápido, arremessando uma das espadas, presas as costas, na perna dele, que caiu.
Arian o virou e cravou outra de suas espadas no ombro do mercenário, que deu um berro de dor.
— Onde é o acampamento de vocês?! Responda! — gritou o guardião.
— Não sei, eu juro, eu não…
— Um local com uma estátua antiga de uma celestial segurando uma lança. Tem um lago perto — disse Kadia, tocando o braço do homem.
— Ele fez isso? — perguntou Arian, apontando para Mirian.
— Ela não queria ficar quieta, e ficava gritando pela filha, então ele… — disse Kadia, com a voz baixa.
Arian o levantou no ar e bateu no chão com tanta força que a madeira abaixo dele rachou. O homem berrava, enquanto Arian dava socos com toda força em seus joelhos e cotovelos, agora quebrados. Depois arrastou o homem pelo pescoço e o cravou em uma das estacas que prendia Mirian a parede.
“O que ele está fazendo? Já tem a informação que queria, de que adianta torturar o homem?”, pensou Jon. Arian parecia mais um mercenário qualquer, do que o herói que leu sobre.
— Não me deixe perto dela! Vai me contaminar, eu vou…
— Exatamente! — Arian então se virou e foi em direção a porta.
Jon não aguentou, e se colocou na frente dele.
— Por que fez aquilo? Talvez pudéssemos salvá-la.
— Não existe cura para a maldição.
— Como sequer tem certeza que era ela? Podia só ter perdido muito sangue! E para que fazer isso com o homem? Não importa o que ele tenha feito, o fazer sofrer não vai mudar nada!
— Jon, acredite, eu sei quando alguém está sendo tomado pela maldição. E vai mudar sim, ele nunca mais vai ter a chance de fazer isso com alguém, e vai sentir um pouco do que proporcionou àquela mulher — falou Arian, pausadamente, tentando se controlar.
— Os Deuses vão julgá-lo, não cabe a nós…
Antes que Jon pudesse terminar, Arian contraiu o rosto, irritado, e começou a gritar:
— Deuses não existem! São só coisas que as pessoas inventaram para se confortar! Você já viu um? Já foi ajudado por um? Eles nunca vêm! Não importa o quanto você implore, não importa o quanto você esteja sofrendo, não importa o quão desesperado, eles nunca… vêm! — Lágrimas caíam do rosto de Arian, enquanto gritava com Jon, que ficou ainda mais furioso quando Arian tentou negar sua fé.
— Tem milhares de pessoas nesse mundo, não tem como um único ser, por mais poderoso que seja, ajudar a todos. Deuses existem para nos trazer esperança, não para corrigir nossos erros ou intervir em todo ato cruel desse mundo.
— Então eles são inúteis! Quanta esperança viu nos olhos daquela mulher antes de eu ter que matá-la?
— Você está aqui, não está? Não sei quem é Ane, mas uma pessoa que pode ajudá-la acabou aparecendo antes da mulher morrer. Não lhe parece que os deuses o guiaram até aqui?
— Se tivessem, teríamos chegado antes da vila ser massacrada…
— Ei, garoto… Por favor!… Eu imploro!… M-Me tire daqui e peça às sacerdotisas para me curarem. E-Eu juro que me entrego para a guarda da cidade mais próxima! Ou podem até me levar com vocês!
Jon olhou para o homem chorando, sem saber o que fazer. Não tinha pena dele, mas ao mesmo tempo, achava um absurdo aquela violência sem sentido de Arian com o mesmo. Também estava ficando enjoado de ver a mulher morta a frente dele, tinha que sair dali ou iria vomitar.
— Se quiser soltá-lo, fique à vontade, ele vai te matar enquanto você dorme, e aí vai poder agradecer a sua Deusa pessoalmente.
— Não vou interferir na sua escolha. Mas você não é melhor que ele, o homem estava desarmado, não precisava fazer…
Foi interrompido com Arian o agarrando pelo pescoço e o levantando no ar.
— Arian! — Kadia foi até ele, mas parou. Zek tinha tirado sua espada e estava apontando para a garganta de Arian, que a estava ignorando.
— Eu não sei onde você vivia, Jon, e nem me importo. Mas esse é o mundo em que vivemos! Pessoas morrem o tempo todo, e a maioria delas não merece… Não merece! Mirian era uma pessoa maravilhosa, era boa com todo mundo e é assim que foi recompensada! Pessoas ruins fazem coisas horríveis o tempo todo, e eu não posso fazer nada, fora ter pelo menos a satisfação que eles morreram sofrendo tanto quanto quem mataram. Um dia, pode acabar em uma situação parecida. Pode até mesmo ter que matar alguém que goste, como tive que fazer aqui. E se acontecer, eu espero, sinceramente, que tenha a coragem de fazer o que tem que ser feito — Arian abaixou Jon no chão. Os dois tinham a mesma altura, só que Jon era bem mais magro.
Depois Arian se virou e saiu pela porta, onde Kadia os observava, junto a Joanne e Lara.
— Quem é você? — perguntou Kadia, olhando confusa para Arian.
— A parte que faz o que tem que ser feito — respondeu Arian, antes de sair apressado da casa, e montar em seu cavalo.
— Você não pode abandonar o grupo assim — falou Joanne, correndo até ele.
Arian a ignorou.
— Se eu não voltar até amanhã de manhã, sigam sem mim.
— Arian, eu entendo que queira vingança, mas isso não vai trazer Mirian de volta! — disse Marko, se aproximando com seu cavalo.
— Eles levaram a filha dela, Marko, levaram a Ane— falou, antes de tocar o cavalo que saiu a galope pela estrada.
Marko arregalou os olhos e fechou os punhos. Queria ir com ele, mas seu cavalo estava acabado, e os outros não teriam fôlego para levar alguém do peso dele na velocidade que Arian estava indo.
— Boa sorte, amigo — falou Marko, observando enquanto Arian sumia de vista rapidamente em seu cavalo.
— O que foi aquilo? A mente dele estava funcionando de forma completamente diferente — disse Kadia.
— Acabou de conhecer o que eu chamo de Aran.
Kadia fez um olhar de quem não estava entendendo, e o resto do grupo não parecia muito diferente.
— Viu as memórias dele, não viu? Ele disse que começou quando a família que o ajudou morreu. É um corpo, mas tem duas pessoas o dividindo.
— Ele foi possuído?
— Não, só se dividiu entre um covarde e um idiota ranzinza que se faz de forte. Lembra de quando eu acertei um soco nele na Arena? Ele não queria machucar a garota da espada e escudo, então deixou para o outro fazer o trabalho sujo, e ficar com a culpa pelo ocorrido. De certa forma, sinto mais pena dele do que da personalidade principal. É o Aran que tem que carregar tudo que o Arian não quer sentir, e fazer o que ele não tem coragem de fazer…
— Eu vou atrás dele — disse Lara, enquanto soltava um dos cavalos da carruagem.
— Vou pegar o caminho na mente daquele homem, me espera — disse Kadia.
— Ficou maluca, Lara? Se você morrer acaba com toda a missão — disse Joanne.
— Então me protejam! Porque eu vou, quer você queira, ou não!
Joanne respirou fundo e fechou os olhos. Quando abriu, foi até o outro cavalo, ainda preso a carruagem, o soltou e montou nele.
— Os cavalos de vocês estão cansados demais para nos acompanharem a galope, o resto de vocês fica aqui. Se não voltarmos até amanhã, vão atrás de nós, e façam qualquer coisa para conseguirem essa caixa preta presa ao cinto de Lara de volta.
Kadia voltou correndo da casa.
— O idiota se matou mordendo a língua, enquanto eu tentava pegar o caminho completo. Marko, você também sabe onde fica a estátua da celestial, não sabe?
Marko a olhou assustado.
— Juro que só vou pegar isso, não vou olhar mais nada.
Marko fechou os olhos e respirou fundo.
— Muito bem. Estou pensando no caminho, tente decorar.
Kadia ficou o olhando por um tempo, enquanto seus olhos estavam completamente amarelos.
— Vocês vão ter que ir com calma em algumas partes, se não vão errar, mas com os pontos de referência que dei, devem chegar lá. O importante é acharem o lago, depois é fácil.
— Certo, vamos!
Kadia subiu em seu cavalo e partiu a toda velocidade, com Lara e Joanne atrás dela.
Próximo: Capítulo 28 – O gélido norte
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